quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Uma morte literária


A morte não é nada – dizia Epicuro – enquanto somos, ela não é. Quando ela é, deixamos de ser.

Essa não era a filosofia bandeiriana, para quem a morte estava sempre na iminência. Ao descobrir que estava com o mal do século, a tuberculose, logo depois de sair da adolescência, o poeta vê seus sonhos de se tornar arquiteto irem embora. Para ocupar o espaço vazio, escrevia. A morte, sua companheira, ceifa a vida de sua mãe, irmã e pai enquanto ele lutava contra a sua doença.

Estrela de uma vida inteira, Manuel Bandeira escrevia sobre a indesejada das gentes para, assim, vivenciar as possibilidades que o distanciavam da vida normal, pretendida por ele.

Sua vontade não era ir pra Pasárgada, mas ter as mulheres que nem o rei poderia possuir, dançar um tango, esquecer a tuberculose, ouvir sinos e pássaros dizerem que a vida acontece, pulsa e que a morte estaria longe.

Quando as cinzas das horas chegaram Bandeira tinha mais de 80 anos, vítima de uma parada cardíaca e não da tuberculose, doença que o acompanhou durante quase toda a vida.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Compositor de Destinos







Da aquarela da infância, algumas cores jamais bordarão o inverno que passou.

Eu assisti a Alice no país das maravilhas. Ora queria ser o coelho, ora o relógio. Eu vi Mary Poppins. Como sonhei com aquele guarda chuva. Até abri um pra ver se conseguia fazer o mesmo. A turma do Nosso Amiguinho e a do Lambe-lambe fizeram parte da minha infância. A turma da Mônica e da Disney invadiam incontinenti o meu lar. Tive infância. Uma infância feliz.

Brinquei de peão, esconde-esconde, tica, pai-da-rua, Playmobil, Comandos em Ação. Tinha uma nave do He-man. Neb. Assistia ao Show da Xuxa. Tinha medo do Mestre dos Magos. Adorava o Papai Smurf. Torcia pelo coyote, pelo Tom e gostava da Formiga Atômica, Super Mouse, Flinstones e Jetsons. Tive um vídeo game. Adorava Mário Bross.

Escutei a Turma do Balão Mágico. Também queria viajar naquele balão. Até hoje é um sonho meu. Lembro da voz do Jô Soares, do Raul Seixas, Maria Bethânia e Fafá de Belém cantando no meu disco (de vinil!) Plunct Plact Zum. “Brincar de viver” é até hoje uma das músicas que mais gosto. E é resultado desse tempo. Vejo as canetas quilométricas e os lápis da Faber Castell na Aquarela de Toquinho. Brigava com meus irmãos pelas propagandas. Era uma forma de patentear meu gosto.

É dessa época também o meu gostar por Chico Buarque, Milton Nascimento, Roberto Carlos. E também escolas de samba. Meus pais ouviam.

Tive uma goiabeira na Coronel Liberalino. Brinquei com minha prima Jeanneide, no quintal. Subíamos na árvore. Jogávamos goiaba no quintal dos vizinhos. Corríamos e ficávamos calados. Antes de cortarem a minha goiabeira, fazia planos de construir a minha “casa na árvore”. Íamos à praia. Tomávamos refrigerante e os olhos vermelhos de sal, lacrimejavam a acidez da bebida.

Quando voltava do Educandário, tocava campainha e saía correndo. Já tomei banho de chuva voltando de lá. E fiquei de castigo por não ter pensado nos livros. Naquele tempo, almocei com as freiras. Já jantei também. No Meu Garoto, interpretei um menino de rua. Fui aplaudido de pé.

Já achei dinheiro, pulseira de ouro, brinquedo, cartas, bilhete de loteria. Besteiras.

Ia à missa. Li na igreja. Fiz catequese com Momoça. Uma alma pura falando de Deus. Fiz crisma com Irmã Paulina. Ia a cultos evangélicos. Minha primeira festa fui com Elisângela.

Lembro das primeiras vezes de algumas coisas. Beijo. Gostar.

A temperatura despencou.

E o meu inverno foi glacial. As torrentes arrastaram o lado bom. Fui esquecendo. O verbo se tornou freqüente. Intransitivo. Não havia mais complemento, não havia de que lembrar. Verões não aqueciam a cegueira. E as estações viraram uma.

Hoje, vejo o campo que julgava florido. Num outono. Folhas secas, caídas.

Estamos na primavera. O viço da vida nova surge.

Estou diante de um nada que constrói um tudo em mim. Penso que as estrelas de Hollywood estão prestes a passar pelo tapete do meu Oscar. “Se ninguém olha quando você passa você logo acha 'Eu to carente'
'Eu sou manchete popular'.” Escrevo filmes inteiros. Estréiam no meu cinema. Eu também sou ator. Já fui menino. A inocência tenta me acompanhar. Tanjo a presença. Sonho com as freiras da minha infância. Acordo o homem que sou. Repriso um filme que me deixou triste, no final. O fim do filme, ninguém sabe. Suspendo a exibição. Personagens secos não possuirão mais papel.

Descobri que há um pretérito que eu posso mudar. Existe uma pessoa linda em mim. Eu havia esquecido isso. Desenho outras linhas no meu presente. Vejo evolução por todos os lados. Tenho cortado as arestas. A ansiedade, a impaciência, a intolerância. Tenho sido Midas. E cada vez mais percebo a amizade como condição essencial à vida. Tenho amigos que se preocupam comigo.

A memória tem ficado cada vez melhor. Gosto da turma Teen da Mônica. Assisto a desenhos animados. Choro com filmes. Vou ao cinema sozinho. E me divirto – sou, sempre fui, auto-divertido. Aprendi a gostar de cachorros, respeitar gatos. A quebrar regras. A obedecê-las. Adoro praia. Sou meu melhor amigo e assim, amigo de todos. Aprendo com amores. Sim, eu tive amores. Aprendi a saber. Saber que sei que os caminhos existem.

Os caminhos são certos. Cheios de amores, de felicidade, de flores, lágrimas, malas que são desfeitas, viagens que são reprogramadas, dinheiro que é ganho, tempo que é gasto, filmes que são vistos com muita ansiedade, músicas que são cantadas com o desafinado coração de quem ama, de quem tem um bom coração, de quem sabe o valor da presença, da ausência. De um Petersônico que tem um coração imenso. Um mini máxi.

E o futuro? “É uma astronave que tentamos pilotar. Sem pedir licença muda nossa vida e depois convida a ri ou chorar...” “Tem que se ser selado, carimbado, registrado, avaliado, se quiser voar...”. Ah, Toquinho, vamos rir.

Peterson Nogueira
1º de outubro de 2009

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sons da madrugada



Enquanto a madrugada se embebedava na literatura clariceana, ele tinha certeza de ser um menino. Gostava de pronunciar o sobrenome daquela que confirmava o seu ser menino. Lispector, Lispector, Lispector.

O menino também gostava do dia, da noite, de Pasárgada, da que anda perdida no mundo, de Ceci, do Pessoa e das pessoas. Gostava de arte, da última Flor do Lácio, das figuras de linguagem e de retórica. Era metafórico. Deleitava-se na ironia. Enamorava-se do Romantismo, tentava se apaixonar pelo Pós-moderno, mas temia se desmanchar no ar. Era sólido?

Acreditava no abstrato. Detestava o efêmero. Gostava de chocolates. Não entendia de sentimentos, como todo menino genuíno.

Um dia descobriu que responsabilidades podiam fazer dele um homem. E ele já era tão responsável. Inclusive, sentimentalmente. Suspirou fundo. Teve medo. Chorou. Uma amiga confirmou: “Você é um homem!”. Mesmo chorando? Pegou o livro da Clarice. As palavras, que não se alteraram, diziam outra coisa. Você cresceu! E, atônito, não sabia quando deixou de ser menino.

E, como menino, se dedicou à poesia.

Como menino, acredita na felicidade, embora tenham afirmado para o homem: “ela não existe!”. Enquanto homem, sente vontade de amar. E o menino alimenta, dizendo que as distâncias podem ser suprimidas.

O menino escreve, o homem lê. Ele assente com a cabeça, positivamente. Na prática, os olhos vão da esquerda para a direita.

O homem esqueceu a Geografia, o menino viaja. O menino ri ao sabor do vento, lembrando do sotaque, das vontades e dos lá lá lá lá. O homem, temendo ser flagrado por seus deletérios sentimentos, policia o riso.

Parque aquático, de diversões, brigadeiros, HQ’s. Do menino.

Jornais, teorias, feijoada, cerveja. Do homem.

O homem nem tem consciência de que, dentro dele, há um menino. O menino acalenta o homem que, muitas vezes insone, tenta lembrar das madrugadas em que era menino. O homem é paradoxo. O menino, sinestesia.

Um dos dois escreveu esse texto.

Os dois querem saber qual a cor do pecado.

Peterson Nogueira – 20MARÇO2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

De carnaval em carnaval se faz um país chamado Brasil


De repente, um Brasil de carnavais. Assim parece ser o país que acorda com a cuíca em fevereiro. Brasileiros traduzem a felicidade. Assim está descrito nos rostos daqueles que vêem o Brasil ser tal qual está no seu formoso hino, cuja poesia transcende a capacidade intelectiva dos seres comuns, desatentos aos desdobramentos lingüísticos.
A morena cartão postal desfila nos calçadões à procura de um fiu fiu delirante. A loira gelada engasga o homem que dá uma espiadinha no decote do corpo escultural que desenha gestos da sensualidade tipicamente brasileira.
Um boca do inferno canta a Bahia afro de Castro Alves, brincando com os capitães de Areia de um Jorge tão amado. E há tantos brasis no meu peito Cascudo de Casmurro, que chego a me lembrar das aulas criativas de História, da professora Toinha. E da Literatura brotando em mim com os livros cortados por um Machado certo.
Enquanto um Chico ouve uma banda, um eu, inteiro, tira o chapéu e divaga na culinária, nas canções, na realidade viva de um país tão moço.
A feijoada escrava continua na mesa rica, a Elis Regina ainda causa admiração nos nossos pais, o Raul Seixas permanece maluco e todos nós queremos ser poupados “do vexame de morrer tão moço”. Por isso, esquecemos do lado negativo que a todo país é inerente e vivemos felizes. Uns tantos com salários de fome e a esperança do menino Cazuza. Tantos poucos riem cifras astronômicas. Sim, é um país de contrastes.
Hoje, exatos quinhentos e nove anos de descobrimento oficial do Brasil, ainda descobrimos que o Brasil grita retumbante pela liberdade escondida sob um sol que não esfria. L Somos todos alicerces de uma pátria mãe gentil, mesmo tendo a dor do sorriso enganando o calvário da terra que diz a todos os filhos deste solo: “em fevereiro, tem carnaval”.

sábado, 12 de setembro de 2009

Lata d'água na cabeça


Uma lata na cabeça e uma força motriz: a sede dos filhos. Uma fome canibalesca e um corpo talhado em poucas dimensões, espessuras minguadas e pequenez desenham o busto da mulher que procura a água no sertão nordestino. O nome deve ser Maria e deve ser Das Dores ou Das Forças ou Dos Filhos. A força não pode vir de outro lugar: a esperança e vontade de fazer dos filhos, grandes homens para a construção de uma sociedade mais igualitária.
Assim se passam os anos da vida das mulheres que sob o suor do sol, ardem os descalços pés quando caminham na aridez das areias que sujam suas poucas e rasgadas roupas, sempre à procura de água para dissipar a sede, ou alimentar o feijão, a água da vida.
Muitas outras Marias vivem sem dores ou com elas, carregam latas que equilibram a cegueira enquanto deixam rastros de uma vida honesta para que a verdade das ações humanas sejam respaldadas no mérito da essência da verdade translucidada pela sociedade ricamente hipócrita.
Mulheres que invariavelmente se doam para que o mundo mude. Mulheres que mostram que suas conquistas, mesmo anônimas, representam traços de qualidade infinitamente superiores diante das intempéries. Mulheres que deixam o leite sugar o peito para a fome da criança cessar. Mulheres que queimam sutiãs em praças públicas e levantam a voz para sentirem a liberdade como subordinada e dizerem que a conquista é apenas uma característica inerente à sua natureza de mulher.
É na beira da estrada morta, derramando a água da lata, ou o sangue da face que ela, devagar e sempre, conquista seus ideais ou frente a um mundo inteiro à sua disposição, sempre a partir de lutas que mostram a sutil diferença de seres que agem ao lado da consciência contra um poder ignorante que retine o machismo enraizado na veleidade aportada na sociedade perpetuamente machista. Lutas diárias que mostram o valor libertário das conquistas da mulher que transforma o mundo e finca sua bandeira que esvoaçará até o infinito fazendo ecoar um grito há muito silencioso. O grito que ecoa na imensidão da palavra mulher, afirmando sempre suas conquistas. Importantes conquistas que lhes dão a nobreza vinculada a serenidade de suas vidas.
A lata d’água na cabeça ou o espaço nas mãos de uma mulher apenas refletem a real simbologia que elas representam: o valor de suas conquistas.
Um outro conceito de mulher é inaceitável.

domingo, 6 de setembro de 2009

Elegia


“Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.”
Fagundes Varela, Cântico do calvário.


Ontem, pouco antes de dormir, minha mãe me chamou para falar de uma tragédia que havia circundado a vida de uma amiga nossa, seu marido distraíra-se na estrada e tal distração provocou um acidente. Seu filhinho de seis anos, completos dois dias antes, não resistiu à fratura craniana. Imediatamente perguntei pela mãe, nossa amiga. Ela tinha sobrevivido, quebrara o braço e tinha algumas escoriações pelo corpo e face. E o marido estava em coma. Lamentei profundamente a perda. Adoro crianças, e adorava-o também, acredito que uma criança é sempre um ótimo motivo para a felicidade de uma casa, com aquele menino não era diferente, ele era a alegria de sua casa, da casa dos familiares, todos gostavam dele, do seu sorriso apaixonante, do carisma que ele tinha.
Chorei, eu realmente senti a passagem daquela criança para a outra vida. Aprendi com um amigo que essa é a melhor maneira de se encarar a certeza que todos nós temos na vida: um dia não mais estaremos aqui onde estamos agora.
Não sou mau, nem pessimista, mas acredito que era melhor a mãe ter ido também e o pai não sair mais do coma. Eles sofreriam menos. Quando este pai sair do hospital, como será? A dor de saber que seu único filho nunca mais estará à sua espera para abraçá-lo, chamá-lo por “papai”, afinal, era a única pessoa que podia chamá-lo com devida propriedade. Entre o momento da alta do hospital até a descoberta da morte do filho, ele verá a esposa com os olhos cheios de lágrima – ela chorará durante toda a vida quando lembrar do filho –, ele pensará que é pura emoção por ter sobrevivido ao coma e pensará que somente ele sofreu com o acidente, com a batida feroz do carro contra o seu, ela não saberá como agir, como dizer tal desgraça e chorará mais, ele se assustará e perguntará pelo filho, ainda pensando que somente sua própria visão escureceu, somente o seu corpo foi lesionado com o choque automobilístico. Ela não parará de chorar nesse dia, terá um companheiro de lágrimas que saberá o peso desse líquido sobre a face, sobre a vida inteira. Isso tudo acontecerá em alguns instantes e quando ele enfim souber da fatalidade, chorará lágrimas ressentidas de saudade eterna, das dores gigantescas que tal fato proporciona. Lamentará ainda por não ter visto mais o seu pequenino, terá somente a lembrança do seu filho rindo e isso, no meio das contradições, será menos penoso, menos triste.
As dores da perda de um filho são indescritíveis. Sequer fui pai – acredito que não mais serei –, mas é uma certeza que qualquer pessoa pode ter, sobretudo se já tiver presenciado algo parecido, mas jamais será tão triste e trágico quanto à experiência real, vivida sob a própria pele. É algo que pela simples imaginação ninguém quer passar, claro. Vivi algo que jamais sairá da minha memória, quando fui ao sepultamento do filho de uma conhecida, as lágrimas derramadas pelos pais eram abundantes como... – metáfora alguma traduziria a realidade – entretanto, imaginem a abundância das águas da Foz do Iguaçu em plena cheia das cachoeiras, você terá um eufemismo das lágrimas daqueles pais. No momento mais crucial, a descida do caixão à cova, a mãe levantou as mãos para o céu e, sempre entre muitas lágrimas, agradeceu a Deus por ter concedido a felicidade de ter seu filho até o dia anterior. Foi impossível conter as lágrimas.
Agora, enquanto escrevo, tenho a certeza de que a nossa amiga chora sobre o pequeno ataúde, certamente branco, sobre o rosto do filho, um pouco ferido devido ao acidente, alisando os cabelos negros do filho, beijando sua testa, apertando suas mãozinhas pequenas, cruzadas num difícil momento, pedindo para lhe obedecer e levantar dali, clamando a Deus por um milagre. Os presentes sentirão a comoção, chorarão também, embora saibamos que nada, nenhuma palavra ou ação exterior reduzirá a dor perpétua. Na hora que tiver de sair o cortejo fúnebre, ela se agitará muito mais, gritará, apesar da tonalidade da sua voz baixa, pedirá a Deus para cuidar do seu pequenino indefeso. Chorará muito mais.
Ao voltar pra casa encontrará no caminho os vizinhos que gostavam do filho e brincavam com ele, já em casa verá as fotografias nos porta-retratos, os brinquedos, os espaços onde ele costumava estar, brincar, a cadeira da mesa em que ele preferia sentar, os talheres, as roupas, a toalha do último banho, a cama, o quarto, sentirá uma saudade dolorosa e contínua, “a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu” (Chico Buarque). Tudo será insuportavelmente triste. A saudade será eterna. A dor lancinante será diária, será a toda hora, a todo segundo. Formulará hipóteses sobre uma suposta evitação da desgraça, da não-saída naquele dia, naquele horário. Outras pessoas da família também se encherão de culpa, criarão motivos para culparem a si próprias. Sem atentar que não existe culpa, nem sequer culpados.
Não existe nenhuma perda mais triste do que essa. Não existem cenas mais penosas do que essas. Não existe dor mais profundamente cortante do que essa. Não existe dificuldade mais sobre-humana do que conjugar a vida do seu filho no pretérito perfeito. Não existe.

Peterson Nogueira
06Fev06

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O "ídion" e o "idiotes" - Leandro Konder


Quando duas pessoas querem dialogar, duas condições prévias são imprescindíveis: 1) que elas sejam indivíduos diferentes, e 2) que elas tenham alguma coisa em comum.

Se não houver nenhuma diferença significativa, se as duas disserem exatamente a mesma coisa, cada uma delas repetindo o que a outra acabou de dizer, teremos não um diálogo, mas um monólogo a duas vozes.

Por outro lado, se os dois parceiros do diálogo forem tão completamente diferentes que não tenham sequer um ponto de encontro e nem mesmo consigam falar a mesma língua, o diálogo se torna inviável.

O indivíduo é o ser singular, tem uma identidade que o distingue de todos os outros, uma personalidade própria (é o que os antigos gregos chamavam de ídion). No entanto, esse ídion existe em um constante intercâmbio com os outros, é formado pela sociedade, depende do grupo. Leva um tempão para aprender a andar, a falar; e muito mais tempo ainda para aprender a lutar pela vida, a sobreviver por conta própria. Existe, portanto, em comunidade (o que os antigos gregos chamavam de koinonia).

Nas atuais condições históricas, a importância da autonomia individual é sublinhada pela onda de individualismo que se nota na cultura dita ''pós-moderna''. Com boas razões, as pessoas repelem a pressão que as tenta anexar a coletividades estruturadas de forma sufocante.

Querendo ou não, pertencemos todos a uma vasta comunidade: o gênero humano. Mas a humanidade é grande demais, não conseguimos enxergá-la. Recorremos, então, a comunidades menores, que substituem a espécie humana. Uns se integram (ou entregam?) em partidos políticos, outros a seitas religiosas, muitos se contentam em pertencer a um clube de futebol ou a uma escola de samba, alguns se definem como sócios de um clube ou membros de uma corporação profissional. Isso pode ser bom ou pode ser ruim, dependendo do espírito com que o sujeito vive sua pertinência à ''pequena comunidade'': com espaço para a tolerância, o diálogo e o humor.

Mas há gente que se recusa a participar de qualquer koinonia e insiste em ser apenas um indivíduo isolado. O preço pago por essa opção individualista drástica costuma ser alto. O sujeito posto em estado de solidão pode pensar que está desenvolvendo uma reflexão original, profunda, enriquecedora, no entanto pode estar somente emburrecendo, por falta de interlocutores. Vale a pena lembrarmos que os antigos gregos já alertavam para esse risco: no idioma deles, o superlativo de ídion (singular) era idiotes.

O indivíduo singular é formado socialmente, ele se individualiza na relação com os outros. Sua singularidade (originalidade ?) se desenvolve com base na incorporação crítica das experiências alheias, num movimento incessante de ir ao outro para crescer. O idiotes é o sujeito que, instalado em si mesmo, se sente dispensado de qualquer esforço de auto-superação.

A rigor, se trata de alguém que não suporta o diálogo com o outro, já que o outro, o interlocutor que pensa diferente, lhe parecerá sempre o agente de um desacato, a encarnação de um desaforo, um delinqüente, que merece sofrer medidas policiais.

Dispor-se ao diálogo, tentar falar para o outro, já é uma opção promissora, que pode ter preciosas implicações humanistas e democráticas. Para prosseguir no caminho dialógico, o sujeito precisa aprimorar sua capacidade de argumentar ad hominem, quer dizer, sua capacidade de falar de modo razoável, em termos que o seu interlocutor - com base no que já sabe - possa entender.

Debruçando-se autocriticamente sobre si mesmo, o sujeito que se dispõe a trilhar o caminho do diálogo precisa tentar reexaminar sua inserção em grupos, coletividades, comunidades que eventualmente lhe servem como substitutas da espécie humana (dentro de certos limites, é claro).

Precisa verificar, no diálogo, se tem sido e continua a ser um bom companheiro de partido, um correligionário maduro e consciencioso, um parceiro leal e correto, um colega bem-educado e cordial, ou se às vezes tropeça em atitudes intolerantes e fanáticas, em azedumes ou mesquinharias, cultivando mal-entendidos em vez de contribuir para proporcionar esclarecimentos.

Precisa, também, de tempos em tempos, observar criticamente a coletividade em que está inserido, para ver se ela está proporcionando aos seus integrantes possibilidades concretas de eles combinarem suas respectivas singularidades com meios concretos de uma inserção mais efetiva - mais universal! - no movimento social.

Essa inserção é fundamental. Depois de ter sido formado pela sociedade, o indivíduo passa a se orientar livremente, a fazer escolhas pelas quais é responsável, e é desafiado a participar ativamente da transformação da sociedade que o formou. As associações que até certo ponto funcionam como substitutas do gênero humano devem oferecer a seus membros possibilidades concretas de pensarem e agirem sem estreitezas ideológicas, na condição de cidadãos do mundo, de representantes da humanidade.

Se não fazem isso, essas associações podem atrapalhar a formação de uma consciência humanista e democrática. Se, contudo, se abrem para o convívio jovial com a ampla diversidade da condição humana, elas ajudam muito a fortalecer o espírito da democracia. E mantêm vivo o espírito do humanismo.

Para entender os meus versos




O desejo de conhecer o infinito grita na minha alma
Uma vontade apocalíptica de fazer jus à vida
E esse desejo surge nas noites de lua, ou sem ela
Com o sol, ou com a chuva

Há em mim uma euforia que emana silêncios
Paradoxo
Metáfora
Saio de mim e entro num vazio quântico
que a física não ousa explicar

Chora em mim um amor que pretendo ser
que pretendo dar
que sonho em conhecer

Meus vulcões resultam do padecer das minhas vontades
De quando não posso sentir os passos firmes no propósito do meu desejo

Meus maremotos gritam contra o não que a vida insiste em dar
Eu insisto em desobedecer

Há um tsunami lambendo os dissabores

E eu não calo. E eu grito. Eu esperneio. Entorno as taças.

Viajo em amores. O longa metragem da minha vida apenas começou.
Começou? Como sou?

Apenas um leão apaixonado pela vida, querendo morder um pedacinho de tudo.

Peterson Nogueira, 04 de agosto de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

De poetas ou meninos (Incompleto)


Há um leonino ansioso escrevendo um texto. Chamaram-no de poeta. Ele quis o título pra si. O poeta é um menino. Um homem. Um verbo. Uma fusão do que vê, lê, sente. É santo. E safado. O Sabino era desconhecido. Sorocaba também. Às vezes se confunde com um homem sério, calado, chato. É brincalhão. Detesta dizer a altura. Já o definiram compacto. Acha-se atrapalhado. Tem duas mãos esquerdas. É destro. Entende da abstração que o sentimento implica. Não sabe o que é O sentimento. Não tem medo de distâncias. Escreve.
O leonino-poeta observa as coisas do cotidiano. Adora gente. Conversar. Gosta de receber notícias. De dar notícias. Detesta ficar no vácuo. Gosta de política. Adora ir ao cinema, embora não lembre, depois, o nome dos atores principais. Nunca come a pipoca toda. Só o chocolate. Adora pizza. E tapioca. Não entende o porquê de os Correios serem tão esquecidos... É professor de português. É sujeito e predicado. A sintaxe de sua vida o ordena à felicidade. Ele adora isso. A Semântica mostra o caminho.
Le Petit sabe o significado da amizade. É inocente e, por ser inerente à infância, não teme experimentar. Sobe em árvores altíssimas e vê, de cima, o tamanho do jardim. É uma floresta. Mergulha no mar com a boca aberta e cospe a água salgada, rindo. Ri sozinho. Fala sozinho. Teme a solidão. Escutou numa música que a solidão é pra quem tem coragem. É covarde.
Quase Mário de Andrade, é trezentos e noventa... “As sensações renascem de si mesmas sem repouso”. Adora esse verso. Acha que nasceu no tempo errado.
Quase Florbela, espanca quem não enxerga que a solidão é desnecessária. A solidão parece ser companheira dos poetas. Ameaça então desistir da poesia. Ama a possibilidade de amor. Ama. Ama a beleza triste da flor portuguesa. Diferente dela, vê o amor como suplemento. Que certamente não está por perto. Mas quem sabe não está equidistante? Mais exigente que a alentejana, o poeta-leonino cobra da vida. “E o mundo cobra de nós, um pouco mais de paciência”. A vida, no sentido literal da palavra, como o leonino-menino imagina, é mesmo rara.
E ele sente que precisa tanto de paciência. Tenta o mantra do budismo de Nitiren, “nam myo ho rengue kyo”. E haja Daimoku. O mix que resulta no homem, transforma-o em quê? Paciente. É paradoxo. É a urgência de uma ambulância correndo sobre as ruas para salvar vidas. Dorme quando o mundo cai. Cria uma raposa há quilômetros de distância.
Olha as horas, verdes. Espera. Almeja. E tanto caminho há pela frente. O caminho é a certeza de que pode escolher. “Dos habituais comportamentos contemporâneos,
optar é deles o mais desumano”. O leonino escolhe tudo, pode tudo, mas desiste de quase tudo, só não daquilo que está na caixinha e Pandora não poderia jamais tirar.
Peterson Nogueira, 04 de junho de 2009

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Best CD Rates