quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Um olhar vivo


“Me poupa do vexame/

De morrer tão moço/

Tanta coisa ainda quero ver.”

Ednardo

Os dias começam a morrer a partir das cinco e meia da tarde. Com tudo que morre, Ele adquiriu um fascínio inexplicável. Pesquisou culturas egípcias. Espiritismo. O Livro Tibetano dos Mortos. O Caibalion.

Recebeu um e-mail às seis. Hora da Ave Maria. Riu. Embora se tratasse de morte. Não a de algum conhecido. Mas sobre sua curiosidade personificada.

Tentou ver a morte nas suas disquisições. Perturbava-se com as marés cheias, violentando suas dúvidas pessoais. Perturbava-se com o diamante que Se tentava lapidar. Mas não conseguia.

Sua escola era perto do cemitério. Sua mãe trabalhava em frente ao cemitério. Conhecia, pelo nome, cada um dos coveiros. Era conhecido deles. “Menino que não faz falta aqui, hein?”. Admirava o enorme crucifixo que formava uma espécie de rosa dos ventos. E também o santo que morrera com flechas. Na pequena cidade em que morava, a notícia de morte era uma manchete grande. “Morreu Seu Joaquim Andrade”. Foi uníssono. O corpo está na casa da mulher. A multidão que acompanhava o cortejo não permitiu que o Pequeno chegasse perto do féretro para ver o defunto sem cabeça. Anos mais tarde entendeu a metonímia.

“Mulher, parecia que estava dormindo”. “Tão novo”. “Coração tem disso”. Essas palavras não saíam de sua cabeça. Seria capaz de comprar o coveiro para ver o homem que dormiria eternamente. E não seria em berço esplêndido.

Os anos foram apresentando novas fórmulas clichês para a morte. “Somos uma vela!” E fazia de tudo para que seu pavio estivesse sempre no corpo da vida.

De repente, abre um e-mail. Algumas fotos O chocam. Entende que a vida chegou ao fim para alguém. É estranho pensar que alguém deixou de existir. Deixou sua história para alguém. É estranho perceber que alguém entrou em eterno outono. Terá feito boas ações? E tantos outros irão conviver com a presença da ausência. Será que algum busto será erguido em sua homenagem? Até quando seu nome será lembrado? Será que modificou a vida de alguém? Vê as fotos como um perito. As perguntas e as filosofias continuam. Analisa os detalhes. Virou uma constante esses e-mail’s em sua caixa. Torce para não ver um acidente ao vivo, com mortos.

Compartilha as imagens no trabalho. Observa que um par de olhos se recusa a investir no empreendimento de ver aquelas cenas chocantes. Mostra então a mais inofensiva. Conta algumas de suas experiências. Percebe interesse. De repente, não mais que de repente, está num conto.

Gosta de cemitérios. Não das mortes. Embora haja contradição nisso. Lê lápides. Gostaria de ler, em cada um delas, a causa mortis do proprietário. Acompanha cortejos fúnebres de quem nunca viu enquanto batia o coração. Viaja e visita cemitérios. Tem pretensão de ver o túmulo de Florbela Espanca. E o Seu. Com Sua foto e data de nascimento, já que, conforme a música, pede para ser poupado do vexame de morrer tão moço. E sempre se é tão moço, quando a vida pede passagem diariamente!

Falou tanto em mortes. Esqueceu-se de contar sobre a vida. E quanta vida há na Sua vida. Esqueceu-se de contar o quanto gosta de conversar sobre os caminhos da vida. “O que é a vida para o senhor?” O quanto gosta de aprender com aqueles que passaram pelas fases que ainda percorre.

Ainda corre. Anda, corre! Os anos têm mostrado que o diamante nunca esteve escondido. O tempo é quem lapida.

Quer contar o segredo dos cemitérios. Escreve um conto. Resposta. Mesmo sem uma pergunta explícita. E fala sobre os caminhos.

A vida foi mostrando os caminhos. Alguns tortuosos. Outros interessantes. E mostrou que o caminho, mesmo com todos os aspectos ardilosos, tem que ser percorrido. A morte faz parte do caminho. Não do fim. Mas de um meio. A vida é para ser vivida. E foi, paradoxalmente, nas necrópoles, que Ele entendeu tudo isso.

Peterson Nogueira, 08 de outubro de 2009.

Seis horas da tarde.

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