quarta-feira, 31 de março de 2010

N O V A


Passou a juventude se preocupando com a velhice. Usava, todos os dias, vários produtos para o sonhado rejuvenescimento. Travava uma luta contra o poder da gravidade, insistindo para que ela não derrubasse a pele facial. Era o primeiro produto a massagear o rosto após o banho. Logo em seguida, tomava o rico café da manhã e, ato contínuo, escovava os dentes.

Ao chegar aos cinqüenta anos, gozava de plena saúde física, um pé-de-galinha sequer lhe incomodava os olhos, uma rugazinha que fosse não lhe ornava o rosto que desmentia a idade que tinha, mas nada impediu que a velhice lhe chegasse, em forma de raiz, bordando – parecia que diariamente – toda a sua boca.

Peterson Nogueira

18MAI06

terça-feira, 30 de março de 2010

Os deuses recomendam

segunda-feira, 29 de março de 2010

Literatura

Caio Fernando Abreu

domingo, 28 de março de 2010

Contos

sábado, 27 de março de 2010

Crônicas

sexta-feira, 26 de março de 2010

Fotos


quinta-feira, 25 de março de 2010

Videos

terça-feira, 23 de março de 2010

Teoria clichê


Pensava e contradizia Descartes. Sentia um vazio enorme quando se remetia às coisas que queria viver, sentir, experimentar. Lembrava que alguém, um filósofo, um poeta, alguém, nem sabia, dissera que havia metafísica demais em não pensar em nada. Conseguia pensar em nada. Pensava em nada. Em ninguém. Na vida. Pensar era uma constante.

Achava que não ia viver amores, medos, ciúmes. Vivia todos os sentimentos do mundo. Só. Pensava vintequatro horas no sentido que a vida podia ter. A ansiedade era sua parceira imediata. Era poeta. Escrevia em linhas imaginárias romances que nunca vivenciara. Via Bandeira deflagrar a sua rotina tão miserável.

Fizera uma tatuagem para se sentir igual. Era diferente por ser inteligente. Leu o livro cujo autor inspirou sua mãe para o batismo. O parto mostrou um mundo caótico. Caos e destruição. Sentimentos e laços. Adorava a família. Lia os escritores modernistas. Adorava literatura. Ouvia MPB. Desconhecia os enlatados. Adorava música. Gostava da nostalgia que cercava a sua vida. Adorava os amigos.

Conseguia avaliar sem culpa a vida que jamais escolhera ter. Adorava-se intenso.

Qualquer detalhe o transpunha para a imaginação do que seria, se tivesse a oportunidade de fazer acontecer. Ria lembrando as piadas dos amigos. Ria sozinho. Chorava com propagandas, filmes, novelas, músicas. Falava sozinho. Aliteração, hipérbole, oximoro, metonímia, gradação. Um dia, lembrou vagamente, quis não existir. Sentia-se figura de linguagem. Era vômito da boca infernal. Nunca teve coragem de sucumbir sozinho. Estava feliz, num sonho. Acordou com o próprio bruxismo. O suor desenhava chuva num terreno árido.

Sempre. Pensava e contradizia a teoria clichê. Achava que uma síncope ia abraçá-lo quando avaliava a vida e as perspectivas envolventes de um futuro incerto. Qual não é? Gostava do Chico Buarque cantando Construção.

Lambia a vaga lembrança de um dia de chuva. Lavoura que plantava sacramentos. Sinestésico, tocava pensamentos, ouvia músicas inaudíveis, perpetradas no tato da visão cega. Havia uma teoria a seguir. Era pura filosofia de uma vida clichê. Amava-se, amargava-se, entulhava-se. Era simbólico.

Via o futuro engrandecer o tamanho minúsculo do homem que amava a criança perdida. No vão. No vácuo. Na maturidade. Na lama. No inferno do vazio. No vazio do céu que não conseguia ver. A criança não fugia. Estava lá, sozinha e leve.

Sacudia as teorias. Lembra sempre da mãe. Dos conselhos e da persistência da memória do Dali. Vive confirmando e confinado à vida só, cheia de eus à procura de teorias.

sábado, 6 de março de 2010

O Escritor e o Psicólogo


O homem na sala. Havia um homem na sala, à espera de ser atendido. Percebia-se um pequeno vão, desde a porta. O lugar dos interrogatórios. Pensava na palavra “interrogatórios”, quis mudar, chegou à outra conclusão. O lugar da investigação. Não, não. Das discussões. Melhor, da conversa. Pronto, o lugar da conversa. Pensava demasiadamente nas palavras que o corrompia, prendia e soltava o seu ser, preso ao instante-sempre que o acompanhava. Sabia-se que as conversas deixariam aquele homem bem. Via-se um homem não abatido, nem quase isso, mas um homem reticente.

O teor lacônico deixava-o enigmático. Vestia-se de esfinge, mas deixava passar mistérios sem solução. Talvez por isso. Lutava contra si numa guerra fria, silenciosa o suficiente para gritar dores de saudade de um momento inócuo. Como era, como foi esse momento? É?

Em que lugar da infância percebeu o rompimento dessa inocência? Procurava burilar os dias que se seguiam naquela maturidade. Detestava-se criança pensante, radiante, feliz com o pouco. Desejava desconstruir esse discurso-pensamento, fingia-se maduro, mas sabia que.

Havia um sentimento perseguindo-o, à espera de ser vivido. Pertencia-o desde sempre, ainda que não fosse sustentáculo, alicerce, base ou coluna do seu lugar-pessoa. Queria-o de fato? Tentava não pensar nesse mistério que o deixava retraído. Pensara mais uma vez na palavra. Eram involuntários os pensamentos recorrentes. O conteúdo sempre corria em direção ao pódio. Ele o destronava. A tecla apertada continuadamente. O pensamento esmagava o grau etílico, talvez por isso não ficasse bêbado. Mas os pensamentos estão direcionados a um canto da lembrança. Sabiamente a deixava vaga. Impunha-se um déficit, ou quase isso, um homem reticente.

O hálito alcoólico o transformava num adulto. Punha uma roupa branca. Aprendera a esperar respostas assim. Certo disso, nem lutava. Explodia-se num seu alto depressivo ser, sem dores ou outras rimas. Entrou na sala das conversas. Instalou-se comodamente no vão. Não havia um momento ímpar. O nada diluía-se na concretude dos fatos. Isolados. Perdia-se a objetividade, perdia-se a chave, quiçá se encontraria naquela noite.

Não percebia. Os sentimentos emanavam a imaturidade da sua maturidade. Amava-se desértico. Pensa nas palavras. Nunca se vira assim. Era uma couraça pretendida. Ratifica-se. Ama-se sedento infinito de um sentimento quente. Embora frio. Não sabia o porquê, mas não o encontrava. Era horrível não encontrá-lo. Queria construir um castelo digno da maturidade que possuía aos vinte.

E nove instantes se passaram até aqui. Vira o homem que é, e, sobretudo, o homem que não era, e até o que nunca será, vira a criança que fora um dia e o perseguia para assuntos daquela/dessa natureza. Quem decide sobre mim é a criança ou o homem? Nem quero saber. Há um que gosta mais. Há sentimentos resistentes? Sempre.

Via-se melhor, mesmo reticente, depois dos monólogos no vão das conversas que criara para si. Para se fazer personagens conversando sobre a sua vida. Vida minha? Agora pensa na palavra “minha”. Está tão liberta na prosa enigmática. Há uma voz que não responde. Há um nada que atinge o peito. Mas está melhor. Nem sempre se preocupa com as respostas, pois sabe-se existir o mesmo ser que.

Peterson Nogueira

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sem hora de estrela


Era como se jogasse algum jogo. Sempre perdia, no entanto, a arbitrariedade do vício o fazia retornar aos ciclos românticos em que se metia. Jogava Snake no celular e não entendia a intertextualidade contida na sua vida. Amava irregularmente. Parecia não saber a transitividade dos verbos. Parecia não conhecer literatura. Quase nem era. Parecia ser real. Quase parecia uma personagem clariceana. Ou esquecia o “quase” para deslumbrar pontes e viadutos e tecnologias digitais e amores.

Não tinha amores. Não falava sobre porcas e parafusos com ninguém. Sabia que a única pessoa que o compreenderia estava deitada eternamente. E nem era no mais esplêndido berço. Sentia saudade de alguém que nunca vira, que partira antes mesmo de irromperem as primeiras lágrimas. E nem eram as lágrimas que agora tinha vontade de sentir correr pelo rosto. Ora, que contradição! Pensava... Mas, se nunca sentira lágrimas por estar triste por ninguém, queria senti-las! E, com a própria contra-argumentação, se desvencilhava da contradição. Sentia-se cansado.

Lembrava-se dos supostos amores que passaram pela sua vida. Todos castelos de areia, construídos na beira do mar. Queria relacionamentos sólidos e duradouros.

E, tal qual engenheiro, ou arquiteto, ou mesmo Maquiavel, pensava em ser. Queria amar. Daria algum passo. Certo ou incerto? Calculista. Nem sabia o quanto era. A infância o acompanhava na inocência adulta que não lhe era salutar. As responsabilidades o afastavam das possibilidades do que desejava. E seguia caminhos cegos. Tateava uma escuridão luminosa, sentia a mesquinhez das metrópoles e se restringia ao seu mundo. Mas pertencia ao Mundo! Quase se sentiu feliz ao formular esses pensamentos. O cordão umbilical tangia sua presença. E o mundo realmente o pertencia.

Estava decidido, desertificaria. Era uma tática para enganar a vida. Desertificaria e fugiria dali. E de si. Talvez se suportasse mais e aceitasse, assim, os outros.

Pensando assim, encontrou seu conto de fadas. E quanto sempre há nas horas.

Era uma nova partida.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Em Areia Branca


Uma pontinha é quando se

Quer só experimentar a guloseima

E se acha menos praticante do pecado

Quando dali retira um pedaço menor

Do que lhe é ofertado.

Mas, uma pontinha pode ser quando

Não se tem ninguém vendo o ato de

Tirar só uma pontinha do bolo, da torta etc.

Acredita-se que ninguém perceberá a falta

De uma pontinha.

Uma tora é um pedaço descomunal.

Geralmente quando os olhos

São maiores do que a fome

Ou a fome é maior

Do que o pedaço oferecido.

Tem desses que diz: “uma torinha”

“Véa” pode ser o adjetivo “velha”,

Mas geralmente não caracteriza a rigor

A idade da pessoa, pode ser uma criança.

E comumente é usado expressando um carinho irônico

Ou substitui outros adjetivos, levada, esperta, até bonita.

Uma coisinha?

É algum líquido, em pouca quantidade.

Coisinha de sopa, de café, de leite etc.

Mainha diz: só uma coisinha de nada.

É sinônimo.

Ah, “mainha” só tem os filhos

Do nordeste.

Em Areia Branca, o senso de felicidade está também em pequenas coisas que podem ser vivenciadas a cada dia, respeitando os limites desmedidos do amor, da saudade, da simplicidade e generosidade. Aqui, a felicidade não passa despercebida, ela está nos grandes fragmentos da poesia humana, expressada na vivência diária das pessoas comuns, das pessoas que aproveitam a vida em sua mais belíssima expressão, em Areia Branca, a noção de paraíso é muito mais bem compreendida do que em qualquer outra parte do planeta. Em Areia Branca, a felicidade é compartilhar todo momento com grande satisfação.

Eu amo essa cidade.

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