quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Compositor de Destinos







Da aquarela da infância, algumas cores jamais bordarão o inverno que passou.

Eu assisti a Alice no país das maravilhas. Ora queria ser o coelho, ora o relógio. Eu vi Mary Poppins. Como sonhei com aquele guarda chuva. Até abri um pra ver se conseguia fazer o mesmo. A turma do Nosso Amiguinho e a do Lambe-lambe fizeram parte da minha infância. A turma da Mônica e da Disney invadiam incontinenti o meu lar. Tive infância. Uma infância feliz.

Brinquei de peão, esconde-esconde, tica, pai-da-rua, Playmobil, Comandos em Ação. Tinha uma nave do He-man. Neb. Assistia ao Show da Xuxa. Tinha medo do Mestre dos Magos. Adorava o Papai Smurf. Torcia pelo coyote, pelo Tom e gostava da Formiga Atômica, Super Mouse, Flinstones e Jetsons. Tive um vídeo game. Adorava Mário Bross.

Escutei a Turma do Balão Mágico. Também queria viajar naquele balão. Até hoje é um sonho meu. Lembro da voz do Jô Soares, do Raul Seixas, Maria Bethânia e Fafá de Belém cantando no meu disco (de vinil!) Plunct Plact Zum. “Brincar de viver” é até hoje uma das músicas que mais gosto. E é resultado desse tempo. Vejo as canetas quilométricas e os lápis da Faber Castell na Aquarela de Toquinho. Brigava com meus irmãos pelas propagandas. Era uma forma de patentear meu gosto.

É dessa época também o meu gostar por Chico Buarque, Milton Nascimento, Roberto Carlos. E também escolas de samba. Meus pais ouviam.

Tive uma goiabeira na Coronel Liberalino. Brinquei com minha prima Jeanneide, no quintal. Subíamos na árvore. Jogávamos goiaba no quintal dos vizinhos. Corríamos e ficávamos calados. Antes de cortarem a minha goiabeira, fazia planos de construir a minha “casa na árvore”. Íamos à praia. Tomávamos refrigerante e os olhos vermelhos de sal, lacrimejavam a acidez da bebida.

Quando voltava do Educandário, tocava campainha e saía correndo. Já tomei banho de chuva voltando de lá. E fiquei de castigo por não ter pensado nos livros. Naquele tempo, almocei com as freiras. Já jantei também. No Meu Garoto, interpretei um menino de rua. Fui aplaudido de pé.

Já achei dinheiro, pulseira de ouro, brinquedo, cartas, bilhete de loteria. Besteiras.

Ia à missa. Li na igreja. Fiz catequese com Momoça. Uma alma pura falando de Deus. Fiz crisma com Irmã Paulina. Ia a cultos evangélicos. Minha primeira festa fui com Elisângela.

Lembro das primeiras vezes de algumas coisas. Beijo. Gostar.

A temperatura despencou.

E o meu inverno foi glacial. As torrentes arrastaram o lado bom. Fui esquecendo. O verbo se tornou freqüente. Intransitivo. Não havia mais complemento, não havia de que lembrar. Verões não aqueciam a cegueira. E as estações viraram uma.

Hoje, vejo o campo que julgava florido. Num outono. Folhas secas, caídas.

Estamos na primavera. O viço da vida nova surge.

Estou diante de um nada que constrói um tudo em mim. Penso que as estrelas de Hollywood estão prestes a passar pelo tapete do meu Oscar. “Se ninguém olha quando você passa você logo acha 'Eu to carente'
'Eu sou manchete popular'.” Escrevo filmes inteiros. Estréiam no meu cinema. Eu também sou ator. Já fui menino. A inocência tenta me acompanhar. Tanjo a presença. Sonho com as freiras da minha infância. Acordo o homem que sou. Repriso um filme que me deixou triste, no final. O fim do filme, ninguém sabe. Suspendo a exibição. Personagens secos não possuirão mais papel.

Descobri que há um pretérito que eu posso mudar. Existe uma pessoa linda em mim. Eu havia esquecido isso. Desenho outras linhas no meu presente. Vejo evolução por todos os lados. Tenho cortado as arestas. A ansiedade, a impaciência, a intolerância. Tenho sido Midas. E cada vez mais percebo a amizade como condição essencial à vida. Tenho amigos que se preocupam comigo.

A memória tem ficado cada vez melhor. Gosto da turma Teen da Mônica. Assisto a desenhos animados. Choro com filmes. Vou ao cinema sozinho. E me divirto – sou, sempre fui, auto-divertido. Aprendi a gostar de cachorros, respeitar gatos. A quebrar regras. A obedecê-las. Adoro praia. Sou meu melhor amigo e assim, amigo de todos. Aprendo com amores. Sim, eu tive amores. Aprendi a saber. Saber que sei que os caminhos existem.

Os caminhos são certos. Cheios de amores, de felicidade, de flores, lágrimas, malas que são desfeitas, viagens que são reprogramadas, dinheiro que é ganho, tempo que é gasto, filmes que são vistos com muita ansiedade, músicas que são cantadas com o desafinado coração de quem ama, de quem tem um bom coração, de quem sabe o valor da presença, da ausência. De um Petersônico que tem um coração imenso. Um mini máxi.

E o futuro? “É uma astronave que tentamos pilotar. Sem pedir licença muda nossa vida e depois convida a ri ou chorar...” “Tem que se ser selado, carimbado, registrado, avaliado, se quiser voar...”. Ah, Toquinho, vamos rir.

Peterson Nogueira
1º de outubro de 2009

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