quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Pássaros e leões - Fábula de um real


“Ama-me pouco, mas ama-me por muito tempo.”


A história foi bem assim: o leão se encontrou com o pássaro, por acaso. O pássaro então ficou rondando o leão que, em sua solitária altivez de rei, nem percebera. Até um dia saírem das telas sociais e se encontrarem, também por acaso. O pássaro dormiu na cova do leão, acordou e bateu asas. O leão nunca mais soube do pássaro. E a história termina assim.

Nunca fez parte do convívio animal a relação amistosa entre pássaros e leões. Aqueles fazem parte da cadeia alimentar destes. E a história parecia se transformar.

O leão, rugindo na sua floresta particular, começou a sentir falta do pássaro que, em voo de retirada, nunca mais bateu asas ali perto daquela juba nem imensa, mas que, entre contradições e paradoxos, sentiu falta do pássaro para lhe cativar. Assim, de sua imponência, tentou o leão fazer uma inversão na sua tática de sobrevivência sentimental e soltou seu uivo algumas vezes em direção àquele pássaro que, conforme percebera, também tinha hábitos nobres. Mas sem perceber o pássaro voltar de seu alto voo, sentou-se em sua selva, triste, deitou e tenta hibernar.

É esse leão um animalzinho domesticado, sensato, letrado, intrigado e desconfiado. Esse leãozinho é de uma espécie rara, branco. O leucismo, segundo mesmo a biologia, não lhe confere sensibilidade ao sol, mas reduz a capacidade de se camuflar diante das presas. Os olhos opacos talvez tenham escondido mais claramente o que o pensamento tentou explodir. Parecia mesmo que os olhos estavam pulando para os olhos do pássaro, em riste. Conforme aprendera, os pássaros e alguns outros animais estão prontos para atacar. Ele também deveria ser assim. Mas, conforme aprendera, comportou-se como rei. Conforme aprendera, não podia se apaixonar por pássaros. Lera, ele próprio, quando as patas deixavam folhear, num livro de um tal Rubem Alves (há os leões que adoram ler; este adora Clarice e Caio, os seus "cês") que o amor é como um pássaro no dedo, sempre pronto para voar. Esplêndido, o leão não aprendera exatamente o que significavam essas quatro letras, mas tinha uma sede enorme para tal. Em um momento, parecia ter visto no pássaro que ali pousava – repentinamente –, essa oportunidade. Sentia-se tolhido na selva. Não via e nem respirava o amor que outros animais pareciam sentir. Mentiam? Fingiam?

O leão, um ser pensante, cativante, estonteante, emotivo e paradoxalmente racional, continua, até hoje, sua história de solidão: encontrava outros animais que, iguais a ele, estavam desacreditados no próprio poder de referência para o que seria um sentimento. Leão que é, volta para a sua cova. O leão branco via as marcas que o pássaro, o outro ser pensante, deixava, voando de um lado a outro na pequena cidade que o natal escolhera para nascer. Na cidade boa, desprovida de atitude, desprovida de opções para leões e/ou pássaros se encontrarem e ele enfim saber como pulsa o coração dos pássaros. Na cidade que o leão se despedia, para então viver em outra selva, maior, com mais densidade e manadas maiores, passaradas maiores. O leão solitário no seu reino de glórias igualmente solitárias escrevia, lenta e vagarosamente, os seus dias brancos, preenchidos, assim com as cores que o nada pinta.

O pássaro, mais distante do leão do que mesmo no período anterior ao encontro dos dois, na selva, quando o leão corria, voava, tentava voar mais longe e mais distante dos gritos que o afugentava pelas manhãs efusivas de um dia que amanhecia pronto para desafios no corre-corre da vida que corre. As penas, caindo em direção ao nada, sob os planos de uma selva de pedra, fortificavam-se sempre. Sempre há um outro pássaro pousado por perto. E assim parece terminar a história.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Batata que passa passa passa passa

Hoje, 26 de outubro, já depois de ter ligado para a SEMOB, PRF, DNIT. Volto a ligar para o DNIT, pois o superintendente estava viajando - a trabalho.

Ele me atende e diz que é problema do DETRAN-RN.

Ligo para o DETRAN-RN que diz: o problema é de responsabilidade do DNIT.

Batata que passa passa...

Infelizmente, eu fico muito desacreditado nos poderes que podem, mas esnobam quem "não pode". Como ter voz nessa ditadura disfarçada de democracia? Como ter voz se precisamos sair correndo para o dia a dia e não sobra tempo para as conversas que carecem urgência? Como ter voz se, quem tem voz passa sempre a batata (que passa passa passa passa passa INFINITAMENTE passando) para qualquer outro órgão?

A culpa de o sinal ter fechado talvez seja minha, que preciso da faixa de pedestres. Talvez do pedestre que agora tem de sair correndo para não ser atropelado. Talvez a culpa seja mesmo do pedestre. Quem mandou ele não ter carro?

Acho muito trágico. Natal é uma cidade de todos e de ninguém. É uma cidade onde todas e quaisquer pessoas têm direito a qualquer quinhão de calçada pública. Outro dia, encontrei um cara que pôs uma máquina de sorvete NO MEIO de uma escada pública. É o motorista que não para nas paradas, que passa no amarelo, mas está certo. Que acelera enquanto o passageiro está subindo ou está sempre apressado, reclamando de todos.

A culpa talvez seja minha, que vejo os erros. E fui acostumado a ser diferente.



Mobilização

Inicialmente, desculpa às poucas pessoas que seguem o meu blog. Sei que vocês merecem atenção. Meu blog é, essencialmente, literatura - a minha razão em ser no mundo. No entanto, hoje, faço uma intervenção para o social e mostrar a minha indignação com o poder público.

Desde a sua queda, espero que o semáforo das mediações do SAM'S Club, na BR, seja recolocado, reaberto. Os pedestres pedem passagem!

Postei em duas comunidades (de ciclistas), das quais faço parte, o seguinte tópico - aqui reproduzido na íntegra:

Vamos fazer uma mobilização juntos?!

Galera, o problema é o seguinte: sexta-feira passada, 15 de outubro, um carro desgovernado derrubou o semáforo nas mediações do Sam's Club, no sentido Natal-Parnamirim. Fato é que o DNIT, órgão responsável pelas vias federais (e, embora seja uma via federal passa por bairros residenciais, tanto de um lado quanto do outro da BR), ao invés de pôr um novo semáforo no lugar, retirou o semáforo no sentido Parnamirim-Natal e fechou o retorno semaforizado que havia ali, dificultando também a vida dos pedestres (na verdade, pra ser mais exato, suprimindo o direito dos pedestres), que iguais a mim, sentem necessidade de atravessar a via. Que, iguais aos ciclistas, têm o direito de ir e vir, mas que NINGUÉM quer assumir essa responsabilidade.

Entrei em contato com todos os órgãos responsáveis. A SEMOB deu graças a Deus, pois o problema é do DNIT. O superintendente do DNIT/RN está viajando a trabalho e NINGUÉM responde em sua falta, mas já deixou o recado que esse problema está longe de ser resolvido. A Polícia Federal ironizou a minha ligação e disse que não podia pensar em toda a população. E disse que seria um contrassenso da minha parte organizar uma mobilização, já que a PF é ocupada com outras coisas (menos com os pedestres. Não são eles próprios que dizem "No trânsito, todos são pedestres"?)

Estamos no mesmo barco (eu sou ciclista e pedestre), acredito que podemos e devemos unir forças para fazer um movimento e não deixar fechar de vez o semáforo. Se a população não se movimentar, eles fecham definitivamente (ainda não há uma decisão tomada). A população que utiliza a faixa não sabe a quem recorrer e, infelizmente, fica passiva aos desmandos das "autoridades" que, muitas vezes, só agem com autoritarismo, infelizmente.

Vamos fazer esse movimento no sábado, 23 de outubro? Ou na terça, 26? Por favor, vamos nos dar as mãos e mostrar que temos força! E, claro, que rapadura é doce, mas não é mole!

Abração e obrigado pela atenção!

sábado, 25 de setembro de 2010

Afinal de contas

Um momento, por favor.

Estou pensando e, afinal de contas, pensar dói de vez em quando.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Made in... where?


Como menino ávido pela massa do bolo, raspei a manhã toda um punhado de pensamentos que insistiam em me acompanhar, mesmo depois de verificar a sua importância para a concretude dos meus dias. Como não perceber que as roupas usadas já têm a forma do corpo e que não se pode desejá-las num outro caminho?

Qual mesmo o caminho que a distância não pode percorrer para encontrar um sorriso que brota da vontade de se estar perto? Sempre quis entender sobre a abstração sentimental. Nunca se entende a atuação cinematográfica que a realidade exprime. Eu gostei do Moulin Rouge.

Não leio bulas, não sigo ordens, não insisto, desisto, desejo, sou inteiro, prevejo, enfrento os medos, escrevo, escravo das letras, desabafo. E cometo pecados. Falo o que sinto. Ouço Djavan, agora Beirut. Sinto O Quereres tão dentro de mim. Quero Come what may. Tento o caminho inverso do romantismo trivial. As pessoas começam por estar perto.

Há muito medo nesse mundo de incertezas. Há muitas certezas batendo na porta do medo. Quase passei incólume pelos batimentos cardíacos acelerados, mas desejei um sorriso que os quilômetros de distância pareceram nada. Nunca quis passar incólume pela vida, tenho medo. O bom foi constatar o que foi bom. Bom é ver esvair o abstrato, já que não foi grande, nem forte, nem.

Embora ainda lembre dos textos que abraçaram o infinito, abraçaram o nada que, olhando para o poeta da distância, riu das dores que não chegaram e não causaram danos. Embora causasse aflição, quando o espaço existiu e o nada era a resposta que me dava nós. O nada fazia barulho no silêncio. Incomodava o tudo que há em mim.

A saudade, amiga íntima dos sentimentos desfeitos sem a explicação da química, física e da matemática, amiga íntima dos poetas distantes, calou-se quando lambuzei os dedos. Se as flores de plástico não morrem, as virtuais murcham, quando não regadas pela reciprocidade esperada. Ou encharcadas pelas águas da promessa.

Um alfinete espetou uma tristeza que ficava no caminho, a gente se despede das roupas usadas e elas deixam saudades. Elefantes lembravam a sensibilidade das músicas que tocavam numa trilha sonora que não marcara o encontro. Embora eu ainda os cace.

A massa do bolo estava deliciosa.

domingo, 6 de junho de 2010

Champanhe ou corda?

Para minha amiga Rosângela

A inspiração acordou com o telefone, que estava carregando desligado. Olhou seus recados e pensou que não era nada mal comemorar com champanhe, nada de corda – as viagens, quando para dentro de si, recarregam as forças de se estar no salto todo tempo.

Lembrou da música que Ivan Lins desenha ao abrir a boca. E da coragem, que ela, mulher, sabe que é estar longe de casa, cuidando de tantos filhos! E da única filha, filosofia desconcertante para a idade. E ainda do carinho nada exaustivo do rabinho que balança quando desfaz a solidão própria dos paulistas. Embora já esteja há mais de vinte anos perto de si mesma e um dia se perca no caminho de volta.

Qual o caminho de volta quando a tristeza relembra que o natal não será mais o mesmo? Por que pensar assim? A força da vida é o amor, é a saudade à não-presença e quão presente ficará para sempre aquele que primeiro a ensinou a amar. O carinho deve tanger a tristeza, a depressão, as lágrimas sentidas e saber que a fortaleza que se carrega consigo é uma gota do oceano família. Ela não precisa fazer esforço algum para, nesse oceano, ser a estrela-do-mar.

É tanta sabedoria que inspira a vida, são tantos detalhes nas entrelinhas da literatura. Sua vida é uma história de vitórias. Aposto que ela gosta de Clarice Lispector, é sabido que a força é inerente à sua respiração. Das duas. Ora, um desconhecido potiguar a fez relembrar um momento difícil. As lágrimas não molharam um papel, mas desceram enquanto linhas subiam na sua frente e ela traçava uma personagem sofrida.

Torce pela glória, isso é natural dos seres humanos – ela já a possui, exposta involuntariamente pela beleza inebriante que um desconhecido ousou nomear. Pela beleza de ser tão humana. Seu nome confunde biólogos e exegetas bíblicos. Quer aprender a fotografar, mas sabe que os momentos estarão “para a posteridade” quando deliciados sem o quê de incômodo que a vida tenta impingir.

Nada de finais clichês, espera somente a continuidade de uma vida sossegada, “com sabor de fruta mordida”.

Peterson Nogueira

23Dez2008

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Novidades


A notícia de que o vigário da cidade morrera correu veloz por entre os cidadãos. Beatas, devotos e todos os cristãos ficaram instantaneamente sabendo do falecimento do padre, tão querido por todos. Logo se iniciaram os preparativos pro velório do bom homem. Os fiéis procuravam flores pra colocarem no esquife. A diocese local logo foi convocada a mandar o bispo para a missa em que se iria encomendar a Deus o corpo do velho padre.

Dentro da pequena igreja da pacata cidade, dava-se o velório. Muito choro, muitos cânticos e muita oração. As beatas, quase que uniformizadas, usavam saias, anáguas, blusas e véus pretos. Todas com discretos lenços a enxugar as lágrimas que corriam pela face. Os homens empunhavam chapéus e, no semblante triste de cada um, podia-se ver a gratidão pelo sacerdote.

Ainda na singular igreja, muitas homenagens foram prestadas. Mulheres traziam arranjos de flores, coroas e faixas para enfeitar o enterro. Quando enfim o ataúde saiu pela porta principal da igreja, os presentes encetaram um choro mais desesperado, angustiante. Todos se sentiam, de certa forma, órfãos pela perda do estimado padre.

Nas estreitas ruas por onde passava o cortejo fúnebre, viam-se mãos acenando um adeus ressentido, cheio de eterna saudade. Lenços dançavam no vento, presos a mãos que ostentavam consideração. Uma multidão vestida de negro caminhava rumo ao cemitério a fim de sepultarem o homem de Deus. Em cada rosto uma lágrima, em cada lágrima a confirmação da profunda tristeza. Quando já descido o caixão à cova, todos choravam e uns consolavam os outros já voltando pra suas casas.

Durante uma semana a morte do bom padre seria o assunto da pequena cidade, todavia ia ser assunto dividido com a chegada do novo sacerdote. O que na verdade mexia com cada morador era a novidade, coisa que raramente se sucedia naquela cidadezinha tão calma.

Peterson Nogueira

28Ago02

domingo, 18 de abril de 2010

Lembranças de chuva


Era um pouco mais da meia noite e a chuva caía torrencial naquele domingo que amanhecera tão quente. Tanta chuva lá fora, pensava, e eu dentro do quarto, ora a entreter-me com a leitura de poemas líricos, ora sendo atrapalhado pelos pingos de chuva que caíam fortes. Sem mesmo esperar, fui invadido por uma vontade de tomar banho na chuva que não cessava e me convidava a banhar em suas águas caudalosas. Não hesitei e incontinenti fui à rua com tal fim.

Como a água caía enérgica! Lavava a minha linda, imensa pequena cidade. Atravessei a rua já quase veneziana. Debaixo das biqueiras me pus a pular; é, lembrei de quando eu era pequeno, digo, de quando eu era menor – ou criança – nunca fui tão grande mesmo, eu sempre pulava na chuva, então foi impossível não entrar no trem veloz das lembranças que me levou à infância. Pulava, corria e brincava nessa mesma rua quase intacta durante todos esses anos. Fui andando nas calçadas e relembrado de tudo – ou quase tudo, minha mente gosta de esquecer algumas coisas, muitas coisas na verdade, – percebi casas que jamais alteraram a sua arquitetura, vi casas que se ergueram totalmente diferentes das que existiam antes, casas modeladas ou não, nada me impediu de voltar à tenra infância, infância feliz testemunhada por aquelas mesmas casas enraizadas para sempre na memória de minha vida e no chão caloroso da minha terra. Lembrei da queda na calçada alta de Dona Maria, a calçada já não me era tão alta e Dona Maria já se fora há tanto tempo! Lembrei da pedra, que era para não estar no meio do caminho, e não estava, mas que acertou em cheio a minha cabeça enquanto brincávamos, minha turma e eu, engenhosamente, de cabanas de escoteiro embaixo da janela intocável do Seu João que fazia questão de não alterar em nada a aparência da casa que um dia fora do seu pai. Fui à biqueira de Seu Gonzaga, a melhor da rua, a água caía macia, macia... Estava do mesmo jeito que antes! Cheguei a ouvir minha mãe mandando meus irmãos e eu tomarmos banho de chuva do lado de lá da rua porque “...do lado de lá não tem fios e com essa tempestade dá medo cair algum”. Que doce tempo! Fui andando até a esquina nessas reflexões saudosas do gênesis da minha vida, saudade de um tempo que plantou em mim o que hoje sou, de um tempo que o próprio tempo se encarregou de sucumbir. Infelizmente. A infância dá saudade, talvez pelo descompromisso, talvez pela liberdade, mas certo é que dá saudade.

Decidi voltar, quando olhei para a rua, contemplei uma cena linda: os pingos de chuva, que continuava reinando, caíam brilhantes, como se tivessem luz própria, as luzes que cercavam aquele horizonte davam uma cor rosada à cidade e, em contraste com a cor da noite pintavam em minha visão uma obra linda que, por maior talento que eu pudesse ter jamais conseguiria transmitir pra uma tela, ímpar beleza. A chuva tinha me presenteado aquela visão magnífica.

Depois de muitos minutos dando espaço a lembranças pueris sob a chuva rígida, entrei em casa, não sem antes me secar ainda na área. Mamãe tinha raiva quando entrávamos molhados da chuva dentro de casa. “Vai molhar toda a casa!”, repreendia rapidamente. Entrei no quarto e vi o livro que ainda não terminara de ler. As poesias ficarão para outra hora, pensei, porque agora quero e vou registrar minhas lembranças gostosas, saudosas, formosas, bondosas. Elas me deram vigor para a semana que se inicia, que chuva boa! Que boa noite a chuva trouxe! Que boas lembranças me trouxe a chuva!Enquanto escrevia, chovia e foi assim toda a madrugada.

Peterson Nogueira

28Mar05

domingo, 4 de abril de 2010

Gritos silenciosos


Olhando assim, parecia que a vida tinha sentido, embora ele não quisesse procurar o sentido, embora ele não quisesse ser sentido, nem sentir. O lenimento de suas forças era brusco. Há forças nos sumidouros e nem um pouco na consciência. Algumas poucas e minguadas lágrimas obedeciam à gravidade. E ele (sempre o desconcertante ele implodido) estava lá, enxugando-as. Um furacão sentimental explodia no insensível criado pela pós-modernidade. A explosão era abafada, inaudível. Gostaria de não saber das mazelas, dos cânceres, dos internamentos, dos médicos, nem de santos, nem de anjos.

Não saberia se despedir. Não gostaria de saber. Ia àquele ato tão familiar. Longe, distante, frio. Caçaria palavras para descrever suas sensações. Misteriosas. Augusto dos Anjos não saberia descrever o corpo em decúbito corroído por algum mal. Falavam em siglas. Deletérios sem fim. Um dia de sol. Ninguém lembrava a chuva matinal. O sol ousou e venceu o dia de São José. As pessoas enegrecidas circulavam-no involuntariamente. Sufocado, jogou os amores-perfeitos e procurou ar.

Algo bom desmistificaria o termo. Egípcios, cristãos, espíritas, compositores. Autores. Esperava por uma resposta. Do tempo. Ou do próprio fim. Vagueava pela necrópole e visitava residências de moradores anônimos. Ou apenas nomeados. Datados. Imaginava situações lúgubres. Queria mesmo era saber como foram parar ali. E onde estavam. Como estavam. Cresceu entre aqueles arquitetônicos espaços mínimos para deitar eternamente o bem e o mal.

Lembrava e ria. Ruborizava-se. Colerizava-se. Enfraquecia-se. Perdia o sentido oferecido pela vida. Tomado pela vida. Não conseguia não evadir-se da realidade. Esquecia e chorava.

Alguém o chamou para últimas palavras. Fez um discurso falso. Esqueceu-se propositadamente das Letras. Sentiu-se carpideira lesada pela falta de pagamento. Ouviu longe os aplausos que desferiam a morte com salves, vivas e outras entonações entusiasmadas. Todas hipócritas. Voltou o olhar para o horizonte de cruzes, mármores, anjos, santos e esquecimentos. E pessoas caminhando por espaços mal projetados, esgueirando-se pela vida. Escapou de alguns conhecidos desconhecidos, sentou-se num Carrara de um imberbe. Olhou-o profundamente, como quem conhecesse e sentisse falta. Sentiu-se carranca sempre de ótimo humor. O gosto de não ser sozinho durou pouco. E ali chorou a dor de sepultar o amor que tinha.

Peterson Nogueira

1º de abril de 2010

Uma mentira histórico-literária

quarta-feira, 31 de março de 2010

N O V A


Passou a juventude se preocupando com a velhice. Usava, todos os dias, vários produtos para o sonhado rejuvenescimento. Travava uma luta contra o poder da gravidade, insistindo para que ela não derrubasse a pele facial. Era o primeiro produto a massagear o rosto após o banho. Logo em seguida, tomava o rico café da manhã e, ato contínuo, escovava os dentes.

Ao chegar aos cinqüenta anos, gozava de plena saúde física, um pé-de-galinha sequer lhe incomodava os olhos, uma rugazinha que fosse não lhe ornava o rosto que desmentia a idade que tinha, mas nada impediu que a velhice lhe chegasse, em forma de raiz, bordando – parecia que diariamente – toda a sua boca.

Peterson Nogueira

18MAI06

terça-feira, 30 de março de 2010

Os deuses recomendam

segunda-feira, 29 de março de 2010

Literatura

Caio Fernando Abreu

domingo, 28 de março de 2010

Contos

sábado, 27 de março de 2010

Crônicas

sexta-feira, 26 de março de 2010

Fotos


quinta-feira, 25 de março de 2010

Videos

terça-feira, 23 de março de 2010

Teoria clichê


Pensava e contradizia Descartes. Sentia um vazio enorme quando se remetia às coisas que queria viver, sentir, experimentar. Lembrava que alguém, um filósofo, um poeta, alguém, nem sabia, dissera que havia metafísica demais em não pensar em nada. Conseguia pensar em nada. Pensava em nada. Em ninguém. Na vida. Pensar era uma constante.

Achava que não ia viver amores, medos, ciúmes. Vivia todos os sentimentos do mundo. Só. Pensava vintequatro horas no sentido que a vida podia ter. A ansiedade era sua parceira imediata. Era poeta. Escrevia em linhas imaginárias romances que nunca vivenciara. Via Bandeira deflagrar a sua rotina tão miserável.

Fizera uma tatuagem para se sentir igual. Era diferente por ser inteligente. Leu o livro cujo autor inspirou sua mãe para o batismo. O parto mostrou um mundo caótico. Caos e destruição. Sentimentos e laços. Adorava a família. Lia os escritores modernistas. Adorava literatura. Ouvia MPB. Desconhecia os enlatados. Adorava música. Gostava da nostalgia que cercava a sua vida. Adorava os amigos.

Conseguia avaliar sem culpa a vida que jamais escolhera ter. Adorava-se intenso.

Qualquer detalhe o transpunha para a imaginação do que seria, se tivesse a oportunidade de fazer acontecer. Ria lembrando as piadas dos amigos. Ria sozinho. Chorava com propagandas, filmes, novelas, músicas. Falava sozinho. Aliteração, hipérbole, oximoro, metonímia, gradação. Um dia, lembrou vagamente, quis não existir. Sentia-se figura de linguagem. Era vômito da boca infernal. Nunca teve coragem de sucumbir sozinho. Estava feliz, num sonho. Acordou com o próprio bruxismo. O suor desenhava chuva num terreno árido.

Sempre. Pensava e contradizia a teoria clichê. Achava que uma síncope ia abraçá-lo quando avaliava a vida e as perspectivas envolventes de um futuro incerto. Qual não é? Gostava do Chico Buarque cantando Construção.

Lambia a vaga lembrança de um dia de chuva. Lavoura que plantava sacramentos. Sinestésico, tocava pensamentos, ouvia músicas inaudíveis, perpetradas no tato da visão cega. Havia uma teoria a seguir. Era pura filosofia de uma vida clichê. Amava-se, amargava-se, entulhava-se. Era simbólico.

Via o futuro engrandecer o tamanho minúsculo do homem que amava a criança perdida. No vão. No vácuo. Na maturidade. Na lama. No inferno do vazio. No vazio do céu que não conseguia ver. A criança não fugia. Estava lá, sozinha e leve.

Sacudia as teorias. Lembra sempre da mãe. Dos conselhos e da persistência da memória do Dali. Vive confirmando e confinado à vida só, cheia de eus à procura de teorias.

sábado, 6 de março de 2010

O Escritor e o Psicólogo


O homem na sala. Havia um homem na sala, à espera de ser atendido. Percebia-se um pequeno vão, desde a porta. O lugar dos interrogatórios. Pensava na palavra “interrogatórios”, quis mudar, chegou à outra conclusão. O lugar da investigação. Não, não. Das discussões. Melhor, da conversa. Pronto, o lugar da conversa. Pensava demasiadamente nas palavras que o corrompia, prendia e soltava o seu ser, preso ao instante-sempre que o acompanhava. Sabia-se que as conversas deixariam aquele homem bem. Via-se um homem não abatido, nem quase isso, mas um homem reticente.

O teor lacônico deixava-o enigmático. Vestia-se de esfinge, mas deixava passar mistérios sem solução. Talvez por isso. Lutava contra si numa guerra fria, silenciosa o suficiente para gritar dores de saudade de um momento inócuo. Como era, como foi esse momento? É?

Em que lugar da infância percebeu o rompimento dessa inocência? Procurava burilar os dias que se seguiam naquela maturidade. Detestava-se criança pensante, radiante, feliz com o pouco. Desejava desconstruir esse discurso-pensamento, fingia-se maduro, mas sabia que.

Havia um sentimento perseguindo-o, à espera de ser vivido. Pertencia-o desde sempre, ainda que não fosse sustentáculo, alicerce, base ou coluna do seu lugar-pessoa. Queria-o de fato? Tentava não pensar nesse mistério que o deixava retraído. Pensara mais uma vez na palavra. Eram involuntários os pensamentos recorrentes. O conteúdo sempre corria em direção ao pódio. Ele o destronava. A tecla apertada continuadamente. O pensamento esmagava o grau etílico, talvez por isso não ficasse bêbado. Mas os pensamentos estão direcionados a um canto da lembrança. Sabiamente a deixava vaga. Impunha-se um déficit, ou quase isso, um homem reticente.

O hálito alcoólico o transformava num adulto. Punha uma roupa branca. Aprendera a esperar respostas assim. Certo disso, nem lutava. Explodia-se num seu alto depressivo ser, sem dores ou outras rimas. Entrou na sala das conversas. Instalou-se comodamente no vão. Não havia um momento ímpar. O nada diluía-se na concretude dos fatos. Isolados. Perdia-se a objetividade, perdia-se a chave, quiçá se encontraria naquela noite.

Não percebia. Os sentimentos emanavam a imaturidade da sua maturidade. Amava-se desértico. Pensa nas palavras. Nunca se vira assim. Era uma couraça pretendida. Ratifica-se. Ama-se sedento infinito de um sentimento quente. Embora frio. Não sabia o porquê, mas não o encontrava. Era horrível não encontrá-lo. Queria construir um castelo digno da maturidade que possuía aos vinte.

E nove instantes se passaram até aqui. Vira o homem que é, e, sobretudo, o homem que não era, e até o que nunca será, vira a criança que fora um dia e o perseguia para assuntos daquela/dessa natureza. Quem decide sobre mim é a criança ou o homem? Nem quero saber. Há um que gosta mais. Há sentimentos resistentes? Sempre.

Via-se melhor, mesmo reticente, depois dos monólogos no vão das conversas que criara para si. Para se fazer personagens conversando sobre a sua vida. Vida minha? Agora pensa na palavra “minha”. Está tão liberta na prosa enigmática. Há uma voz que não responde. Há um nada que atinge o peito. Mas está melhor. Nem sempre se preocupa com as respostas, pois sabe-se existir o mesmo ser que.

Peterson Nogueira

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sem hora de estrela


Era como se jogasse algum jogo. Sempre perdia, no entanto, a arbitrariedade do vício o fazia retornar aos ciclos românticos em que se metia. Jogava Snake no celular e não entendia a intertextualidade contida na sua vida. Amava irregularmente. Parecia não saber a transitividade dos verbos. Parecia não conhecer literatura. Quase nem era. Parecia ser real. Quase parecia uma personagem clariceana. Ou esquecia o “quase” para deslumbrar pontes e viadutos e tecnologias digitais e amores.

Não tinha amores. Não falava sobre porcas e parafusos com ninguém. Sabia que a única pessoa que o compreenderia estava deitada eternamente. E nem era no mais esplêndido berço. Sentia saudade de alguém que nunca vira, que partira antes mesmo de irromperem as primeiras lágrimas. E nem eram as lágrimas que agora tinha vontade de sentir correr pelo rosto. Ora, que contradição! Pensava... Mas, se nunca sentira lágrimas por estar triste por ninguém, queria senti-las! E, com a própria contra-argumentação, se desvencilhava da contradição. Sentia-se cansado.

Lembrava-se dos supostos amores que passaram pela sua vida. Todos castelos de areia, construídos na beira do mar. Queria relacionamentos sólidos e duradouros.

E, tal qual engenheiro, ou arquiteto, ou mesmo Maquiavel, pensava em ser. Queria amar. Daria algum passo. Certo ou incerto? Calculista. Nem sabia o quanto era. A infância o acompanhava na inocência adulta que não lhe era salutar. As responsabilidades o afastavam das possibilidades do que desejava. E seguia caminhos cegos. Tateava uma escuridão luminosa, sentia a mesquinhez das metrópoles e se restringia ao seu mundo. Mas pertencia ao Mundo! Quase se sentiu feliz ao formular esses pensamentos. O cordão umbilical tangia sua presença. E o mundo realmente o pertencia.

Estava decidido, desertificaria. Era uma tática para enganar a vida. Desertificaria e fugiria dali. E de si. Talvez se suportasse mais e aceitasse, assim, os outros.

Pensando assim, encontrou seu conto de fadas. E quanto sempre há nas horas.

Era uma nova partida.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Em Areia Branca


Uma pontinha é quando se

Quer só experimentar a guloseima

E se acha menos praticante do pecado

Quando dali retira um pedaço menor

Do que lhe é ofertado.

Mas, uma pontinha pode ser quando

Não se tem ninguém vendo o ato de

Tirar só uma pontinha do bolo, da torta etc.

Acredita-se que ninguém perceberá a falta

De uma pontinha.

Uma tora é um pedaço descomunal.

Geralmente quando os olhos

São maiores do que a fome

Ou a fome é maior

Do que o pedaço oferecido.

Tem desses que diz: “uma torinha”

“Véa” pode ser o adjetivo “velha”,

Mas geralmente não caracteriza a rigor

A idade da pessoa, pode ser uma criança.

E comumente é usado expressando um carinho irônico

Ou substitui outros adjetivos, levada, esperta, até bonita.

Uma coisinha?

É algum líquido, em pouca quantidade.

Coisinha de sopa, de café, de leite etc.

Mainha diz: só uma coisinha de nada.

É sinônimo.

Ah, “mainha” só tem os filhos

Do nordeste.

Em Areia Branca, o senso de felicidade está também em pequenas coisas que podem ser vivenciadas a cada dia, respeitando os limites desmedidos do amor, da saudade, da simplicidade e generosidade. Aqui, a felicidade não passa despercebida, ela está nos grandes fragmentos da poesia humana, expressada na vivência diária das pessoas comuns, das pessoas que aproveitam a vida em sua mais belíssima expressão, em Areia Branca, a noção de paraíso é muito mais bem compreendida do que em qualquer outra parte do planeta. Em Areia Branca, a felicidade é compartilhar todo momento com grande satisfação.

Eu amo essa cidade.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Um olhar vivo


“Me poupa do vexame/

De morrer tão moço/

Tanta coisa ainda quero ver.”

Ednardo

Os dias começam a morrer a partir das cinco e meia da tarde. Com tudo que morre, Ele adquiriu um fascínio inexplicável. Pesquisou culturas egípcias. Espiritismo. O Livro Tibetano dos Mortos. O Caibalion.

Recebeu um e-mail às seis. Hora da Ave Maria. Riu. Embora se tratasse de morte. Não a de algum conhecido. Mas sobre sua curiosidade personificada.

Tentou ver a morte nas suas disquisições. Perturbava-se com as marés cheias, violentando suas dúvidas pessoais. Perturbava-se com o diamante que Se tentava lapidar. Mas não conseguia.

Sua escola era perto do cemitério. Sua mãe trabalhava em frente ao cemitério. Conhecia, pelo nome, cada um dos coveiros. Era conhecido deles. “Menino que não faz falta aqui, hein?”. Admirava o enorme crucifixo que formava uma espécie de rosa dos ventos. E também o santo que morrera com flechas. Na pequena cidade em que morava, a notícia de morte era uma manchete grande. “Morreu Seu Joaquim Andrade”. Foi uníssono. O corpo está na casa da mulher. A multidão que acompanhava o cortejo não permitiu que o Pequeno chegasse perto do féretro para ver o defunto sem cabeça. Anos mais tarde entendeu a metonímia.

“Mulher, parecia que estava dormindo”. “Tão novo”. “Coração tem disso”. Essas palavras não saíam de sua cabeça. Seria capaz de comprar o coveiro para ver o homem que dormiria eternamente. E não seria em berço esplêndido.

Os anos foram apresentando novas fórmulas clichês para a morte. “Somos uma vela!” E fazia de tudo para que seu pavio estivesse sempre no corpo da vida.

De repente, abre um e-mail. Algumas fotos O chocam. Entende que a vida chegou ao fim para alguém. É estranho pensar que alguém deixou de existir. Deixou sua história para alguém. É estranho perceber que alguém entrou em eterno outono. Terá feito boas ações? E tantos outros irão conviver com a presença da ausência. Será que algum busto será erguido em sua homenagem? Até quando seu nome será lembrado? Será que modificou a vida de alguém? Vê as fotos como um perito. As perguntas e as filosofias continuam. Analisa os detalhes. Virou uma constante esses e-mail’s em sua caixa. Torce para não ver um acidente ao vivo, com mortos.

Compartilha as imagens no trabalho. Observa que um par de olhos se recusa a investir no empreendimento de ver aquelas cenas chocantes. Mostra então a mais inofensiva. Conta algumas de suas experiências. Percebe interesse. De repente, não mais que de repente, está num conto.

Gosta de cemitérios. Não das mortes. Embora haja contradição nisso. Lê lápides. Gostaria de ler, em cada um delas, a causa mortis do proprietário. Acompanha cortejos fúnebres de quem nunca viu enquanto batia o coração. Viaja e visita cemitérios. Tem pretensão de ver o túmulo de Florbela Espanca. E o Seu. Com Sua foto e data de nascimento, já que, conforme a música, pede para ser poupado do vexame de morrer tão moço. E sempre se é tão moço, quando a vida pede passagem diariamente!

Falou tanto em mortes. Esqueceu-se de contar sobre a vida. E quanta vida há na Sua vida. Esqueceu-se de contar o quanto gosta de conversar sobre os caminhos da vida. “O que é a vida para o senhor?” O quanto gosta de aprender com aqueles que passaram pelas fases que ainda percorre.

Ainda corre. Anda, corre! Os anos têm mostrado que o diamante nunca esteve escondido. O tempo é quem lapida.

Quer contar o segredo dos cemitérios. Escreve um conto. Resposta. Mesmo sem uma pergunta explícita. E fala sobre os caminhos.

A vida foi mostrando os caminhos. Alguns tortuosos. Outros interessantes. E mostrou que o caminho, mesmo com todos os aspectos ardilosos, tem que ser percorrido. A morte faz parte do caminho. Não do fim. Mas de um meio. A vida é para ser vivida. E foi, paradoxalmente, nas necrópoles, que Ele entendeu tudo isso.

Peterson Nogueira, 08 de outubro de 2009.

Seis horas da tarde.

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