sexta-feira, 17 de junho de 2011

Natal, 17 de junho de 2011.

Senhor vereador Heráclito Noé,

Com interesse, li hoje uma notícia no jornal e tomei conhecimento de um projeto de sua autoria acerca dos inúmeros estrangeirismos que se propagam pela cidade Natal, e o seu empenho em tornar obrigatória a tradução dessas palavras, com o nosso vernáculo à mostra.

Impossível não lembrar, nesse momento, do nostálgico, melódico e lindo soneto do parnasiano Olavo Bilac, demonstrando todo amor e apego à Última Flor do Lácio inculta e bela. No entanto, é impossível não lembrar também do frustrado projeto quase gêmeo ao seu – nasceram de placentas diferentes –, do deputado Aldo Rebelo, em 2007.

Entendido que o senhor se preocupa com o nosso idioma, saiba que a língua portuguesa passa incólume em todas as instâncias de um suposto desaparecimento: ela é viva e como tal se faz funcionar na maioria das circunstâncias que se fazem necessárias – haja vista que a nossa educação, infelizmente, não faz exportar tantas descobertas, tanta tecnologia e tantas coisas mais que, mesmo o senhor sente necessidade. Legislar sobre a língua seria algo parecido com uma hipotética legislação do próprio pensamento: não se consegue; ambos são vivos e carecem de interação com o mundo. A língua portuguesa – ou quaisquer outras – jamais atingiu um estado de “pureza”, isso seria impossível. Principalmente nesse estado contemporâneo no qual vivemos, cujas tecnologias incluem a própria condição vital (e virtual) para fazermos jus ao fator social.

Logo, numa rápida constatação do seu projeto, pode-se verificar que há arbitrariedade em vários aspectos:

  • Sociolinguísticos: sobre uma língua viva não se legisla (mas há a possibilidade de fazê-lo funcionar se se tomar como aporte o latim).
  • Psicolinguísticos; há na essência de seu projeto um cunho cerceador na escolha lexical do nativo brasileiro, dos empresários e dos próprios falantes.
  • Filológicos; a língua também evolui com o acréscimo de outros vocábulos ao seu próprio; o senhor pode, inclusive, constatar que o dicionário Houaiss já traz, por exemplo, a palavra “mouse” como parte do nosso léxico.

Em palestra brilhante, proferida no ano 2000 pelo acadêmico Domício Proença Filho, o brilho das palavras deste faz encandear o discurso do projeto do senhor:

Estrangeirismos sempre estiveram presentes, com maior ou menor volume, na língua portuguesa, como elementos enriquecedores, emergentes do convívio Cultural dos povos. Palavras e expressões imigrantes decorrem dos rumos do progresso, em sua maioria, situam-se nos espaços da ciência, da tecnologia, da diplomacia, e se fazem indispensáveis.”

Para corroborar o meu discurso, de que outras línguas não exercem mesmo poder sistêmico ao nosso idioma, as palavras de Domício Proença Filho, na mesma conferência, aduzem:

“O maior ou menor volume da presença estrangeira na língua vernácula vincula-se, portanto, à maior ou menor influência que a Cultura de um país possa exercer sobre a Cultura de outro. No caso do português, é importante que se diga, os empréstimos, de qualquer ordem, nunca chegaram a ameaçar-lhe, de fato, a integridade sistêmica. Isso é que me parece importante: A língua como um sistema, ou seja, um conjunto organizado. Se é um conjunto organizado, se faz de princípios organizatórios. Nesse território, palavra estrangeira nenhuma entrou.”

Um fato relevante, e por isso mesmo deve ser levado em consideração, é o uso da língua como instrumento de comunicação, de aferição de conhecimento e, sobretudo, de pesquisa. Estudo a língua portuguesa e minha prática docente é efetivada num componente curricular de Práticas de Leitura e Escrita no curso de Ciências e Tecnologias, na UFRN. Sei do que estou falando.

Para não mais me prolongar, quase louvei o seu argumento, ao afirmar que a nossa cultura e identidade devem ser preservadas, mas impossível não questionar: a cultura vernácula não pertence única e exclusivamente a Natal, logo, não se trata de cultura local, não nos aportamos em nenhum idioleto, estou certo? Outras indagações também me ocorrem: ora, se a palavra-chave é a cultura, onde se encontra o fomento à cultura local? Esse sim poderia ser alvo de um projeto de sua autoria. Os artesões – da palavra, das cênicas, das cores, ad infinitum – agradeceriam pormenorizadamente.

Há uma série exaustiva de exemplos que podem florear este e-mail, em defesa de uma liberdade de batismo dos prédios comerciais e residenciais. No entanto, as minhas palavras já podem alçar o seu voo objetivo: mostrar que a essência do seu projeto tende a ser vista como autoritária, descabida, incoerente e, sobretudo, inócua. Sinceramente, senhor vereador, até o seu nome não é genuinamente brasileiro. Do grego, significa “o protegido por Hércules”. Mas torcemos para que o deus grego fique a favor do povo que fala todas as línguas.

Atenciosamente,
Peterson Nogueira
Mestrando em Literatura Comparada pelo PPgEL, UFRN.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

ÀS ROSAS DO MEU PAÍS

I – À do meu Estado

Senhora Rosa, Aristóteles dizia que não deveríamos cansar o nosso público com o intróito e, para ser breve, digo: admiro a sua administração do/no “País de Mossoró”, cidade na qual nasci e recebi, anos depois, de suas mãos, um prêmio do concurso literário Maria Sílvia de Vasconcelos Câmara. Esse início me serve para enfatizar o acompanhamento que faço de seus passos políticos.

No entanto, contrariando Aristóteles, a senhora está extenuantemente cansando, nesse início de mandato, o povo desse Estado – que há muito tempo tenta se libertar de péssimas administrações. O seu discurso de que o Estado herdou dívidas do governo passado é, sob o ponto de vista da população, vazio de argumentos. Se fizermos uma comparação com a nossa vida, como nunca estamos nos preparando para morrer, quando isso acontece, principalmente repentinamente, deixamos dívidas para os nossos familiares. Os prazos para as dívidas devem continuar também, não é? Na política, entendo ser com esse igual teor. Não há dinheiro? Valha-se da lei de responsabilidade fiscal e faça com que os responsáveis pela dívida maior que os cofres públicos, paguem por isso. A população não pode pagar. Admiro, contudo, os cortes dos gastos supérfluos que – na carta à população – a senhora diz ter executado, mas me pergunto inocentemente: será mesmo que não há dinheiro para fazer o Estado se reerguer? Será mesmo que não há nada a ser feito para alavancar esse Estado que, dentre tantas agruras, está em déficit com a educação – matéria prima para um Estado melhor?

Governadora, a senhora pede à população para apoiá-la, mas e a contrapartida? Estamos sem segurança, sem educação, sem saúde, sem direitos. Será que não é, ao menos justo, que fiquemos indignados com o “nada” com o qual nos encontramos quando, por exemplo, precisamos de ser atendidos em alguma unidade médica e somos tratados com o mesmo abandono em que se encontram as unidades públicas? Ou, por exemplo, sermos mal tratados por motoristas e cobradores, que já ganham infimamente? Não concordo, desculpe-me, com a suposta “pressa” com a qual a senhora se refere aos servidores grevistas.

Senhora Rosa, sem querer entrar no cunho pessoal, mas sem conseguir me desvencilhar de tal aspecto – ainda mais pela ocorrência recente, que hoje comemora uma semana –, fui assaltado na quinta passada e me senti mais lesado porque vejo que a nossa segurança está verdadeiramente fracassada. Como podemos – eu e a população – nos sentir seguros?

Em relação à copa, quase última desculpa fraca de sua carta, não consigo, senhora governadora, perceber qual o rumo da eficiência que há no nosso Estado quando se pensa em sediar um campeonato de futebol, sem antes atentar para as necessidades da própria população. Quais as melhorias palpáveis ao sediarmos esse evento? O nosso povo tem fome e fome é imediata. A nossa fome de conhecimento, de cultura, de lazer, de segurança, de termos alguém que possa olhar por nós é sempre maior do que a vaidade com a qual a senhora receberá alguns poucos representantes que casualmente venham assistir aos jogos na capital potiguar. Clarice Lispector certamente chamaria o ato de “Felicidade clandestina”, eu endosso esse pensamento. E a senhora que me diz? Lembre: a fome é imediata. E, para me valer de suas próprias palavras, governadora, e eu peço perdão pela expressão, a “herança maldita” de grau superlativo é justamente essa tal Copa do Mundo, que somente a senhora pode embargar. Penso que um referendo possa fazer com que o nosso exercício de cidadania seja pleno. Que me diz, senhora governadora? Caso contrário, a população entenderá que o açodamento parte de uma atitude impensada e vaidosa da senhora.

Se é hora para refletirmos – e eu, com sua licença, ratifico seu pensamento –, é hora também de fazer com que os nossos governadores reflitam e lembrem-se de que o povo espera por atitudes concretas. Reflita, governadora, sobre essa Copa, sobre as classes trabalhadoras e não se apresse em dizer que alguém agiu apressadamente. Há uma demora em todos os empreendimentos que não bonifiquem os interesses governamentais, um pouco diferente, por exemplo, da construção vaidosa de um aeroporto e, também, dessa arena. Esse aeroporto, senhora Rosa, serve mesmo à população natalense? Ou a população continuará a desembarcar no Augusto Severo, devido à maior comodidade? Uma vez que não há nenhum benefício na zona norte, infelizmente menos segura que o restante da cidade. E a arena? É ridículo esse descaso com o nosso dinheiro. A população está preocupada.

A sua hora chegou, governadora – e diferentemente “d’A hora e vez de Augusto Matraga”, do nosso diplomata mais enfático Guimarães Rosa –, é na sua hora que podemos ver a força de suas atitudes, é a sua atitude que fará o diferencial dessa política abjeta que nos enfiam pela goela, é a sua atitude que ressoará pelos quatro cantos do Estado, do País e do povo potiguar.

Por fim, governadora, entenda que avançar na reconstrução do nosso Estado é, sobretudo, poder ver no povo um reconhecimento perpétuo de gratidão. Faça valer a sua hora e mostre aos 52, 46% que a elegeram que o caminho não terá atalhos escuros da desconfiança. Os 47, 54% restante também vão enxergar a maestria de sua batuta. Mostre que a senhora pode fazer o melhor pelo Estado.

O povo potiguar agradece.

Peterson Nogueira

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Paralelos


Eles agem rapidamente. Eram dois – o ato requer apenas um, mas para consagrar a covardia, eles, normalmente, agem em bando. Surgem de um nada fantasmagórico e partem para uma escuridão jamais imaginada. A visão escurece. Não deu tempo de vê-los, embora eu os olhasse de frente, mirando, inocentemente, o olho e o cano do revólver apontado para mim. Sou tão péssimo fisionomista que os policiais pediram para eu descrevê-lo e eu não soube, limitando apenas às imagens do monitor comprovando um assalto recente. E assim levaram a minha bicicleta cara. Mas poderia ter sido qualquer valor, eles levariam da mesma forma. Pediram quase gentis, semelhante a uns monstros, para eu entregar-lhes o celular. Eles eram violentos, agressivos, estúpidos. Eu não sei onde eu estava com a cabeça, mas falei que não tinha – e falara ao celular um minuto antes. Meu medo era de ele tocar. Foi a primeira vez – e espero mansamente – que tenha sido a última. Quem já passou por um assalto sabe o quanto são desesperadores esses segundos. Eu estava em frente à casa de uma professora, amiga minha. E assisti, depois do ocorrido, à cena em que sou assaltado, pelas câmeras de segurança. Imaginei as cenas transmitidas pelos jornais, acostumando-nos a esse tipo de violência urbana.
Quase escutei a voz fúnebre desses apresentadores anunciando uma manchete: “professor é assaltado em frente à casa de colega de trabalho”. Eu tremi mais que qualquer terremoto, mas devido a uma boa fabricação, me mantive em pé, igual a alguns prédios japoneses depois de violentos tremores. Lembrei-me, ainda tremendo, da música “Notícias populares”, da já consagrada Ana Carolina e repeti aliviado, baixinho, de mim para mim: “que façam bom proveito da grana que roubaram porque eu trabalho e outro dinheiro eu vou ganhar.” E vou comprar outra bicicleta.
Estou vivo, sem nenhuma sequela física. Eles sequer tocaram em mim. Mas sei que durante alguns dias, vou ter um medo natural das ruas, da noite, dos meus futuros passeios de bicicleta – a violência está banalizada demais para levar mais tempo de cicatrização. E eu conseguirei reverter tudo. Tenho um rápido poder de cicatrização. Física, pelo menos.
É natural que nessas horas reflitamos sobre a violência que circunda a nossa cidade, o nosso país. Esperamos mais segurança, esperamos mais dignidade, mas de quem cobrar se todos estão querendo sempre passar a responsabilidade adiante? Cobro, cobro e não vejo retorno. Alguns políticos até se calam diante das cobranças. Exemplo assim é o do deputado petista Fernando Mineiro que me pediu – assim que eu comecei a segui-lo no Twitter – para criticá-lo e cobrá-lo, mas tal qual Sansão perdeu as forças com o corte de seu cabelo, Mineiro perdeu a fala, a voz, a escrita e a crítica. E eu nem sou poderoso assim, sou? Na infância, devido ao corte de cabelo, chamavam-me de He-man, será que ele sabe? Quem me segue e vê os meus posts para o candidato percebe que não há um tom ofensivo – sou veementemente contra o argumento ad hominem. E quanto o silêncio dele me fere, aliás, fere uma sociedade inteira. Talvez pela forma agressiva de também calar as respostas que tanto buscamos. Talvez ele não saiba das respostas. Essa é a minha âncora. Afinal de contas, num país em que temos o deputado Jair Bolsonaro, PP-RJ, o ministro da fazenda Antonio Palocci e um patrimônio multiplicado em pouco tempo, cuecas, meias e outros acessórios, também teríamos de ter alguém por aqui para, digamos eufemicamente, negligenciar os seus deveres. Parece ser até normal. Ah, o Fernando Mineiro não está sozinho, tem a sua nobre companheira de partido, a senhora Fátima Bezerra. Gostaria de pedir um favorzinho a ela – por gentileza e bondade – é assim que uma amiga coordenadora inicia qualquer apelo – pare de se auto-initular professora, porque principalmente na educação, você não fez nada.
Aliás, quem faz? A poética da fala, da rima, da boa vontade está fazendo parar escolas, segurança, transportes. Natal está passando pelos piores momentos de sua administração. A culpa é de quem?
Senhores, parem de se preocupar apenas com vosso umbigo. Matem a fome de educação, de segurança, de vida digna que todos nós precisamos. A população está com a baixa autoestima elevadíssima por conta da postura dos senhores. A vida pede passagem na cidade que marca o nascimento do menino Jesus. E se alguém pode fazer algo, esse alguém se encontra aí, justamente onde os senhores se aboletam para assinar papéis e não resolver nada. Até quando?
É mais fácil perdoar os assaltantes; eles não têm outra oportunidade, têm?
Para terminar o meu desabafo, só quero agradecer a Deus por estar aqui, vivo e escrevendo essas minhas angústias. Ele esteve por todo o momento ao meu lado – e com certeza por isso, em nenhum momento, pensei na morte – e se pensei, foi: “não vou morrer neste assalto”. Vou continuar orando para que Deus ilumine os caminhos por onde os dois bandidos passarem, apesar de que a lei da vida é inviolável: tudo tem o seu retorno; nas mesmas intenções de oração, pedirei pelos políticos potiguares. Deus é a essência com a qual sobrevivo, nesses dias de. Como posso adjetivar, senhores políticos?

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Comunicação

Algumas pessoas não têm problema algum em se comunicar com o mundo. Postarei fotos com erros gramaticais e suas variantes da língua portuguesa, com a finalidade de refletir sobre a língua. Comentem.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Atípico

Hoje assim: !

quinta-feira, 17 de março de 2011

Marcha de quarta-feira de cinzas

Marcha de quarta-feira de cinzas (Vinicius de Moraes e Carlos Lyra)
Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz

quarta-feira, 16 de março de 2011

Dias de chuva

Uma dupla barroca, por excelência. E eu compondo cenários a quilômetros de distância. De uma imagem que, bom isso, não sei qual é. Ótimo isso. A vida é boa, pode ser melhor. Haverá apenas alguns ajustes técnicos. Y todo volverá a la normalidad pronto. E eu, literatura fundante, fênix renascida, rio à toa. Escuto músicas, Nara Leão volta a mim, leio Caio e outros mortos. Há uma admiração profunda e perfeita nisso. Estudo. Sinto bons fluidos e continuo a sorrir. Que pode ser de mim? O que me resta é tão gratificante. "continua lindo". Vivamos, leonino lindo lindo. Narciso, eu? Não me agrada a cultura hedonista que plantaram por essa nação-mundo. Apenas existo, talvez "metido", "ridículo". Em sentido cartesiano, existo. Concretude de dias assim, lindos. Ar puro. Sem cigarros, sem dias cinzas e sem quartas. Embora hoje seja o paradoxo. Sol bom, leonino.  No "coração do meu Brasil"? Hoje a temperatura aumentou. Quanto tempo há nessa lacuna que me falta preencher? Estoy bien. Gracias.

Quarta, ainda de cinzas.

Mas o nosso carnaval não acabou.

terça-feira, 1 de março de 2011

Deus, Dinheiro e Déspotas

Alguns vão me chamar de radical. Indubitavelmente, sob o ponto de vista deles, assim sou. No entanto, serão mais coerentes se, ao construírem suas respectivas teses a meu respeito, aceitarem analisar friamente os meus argumentos sobre a leviandade com a qual tratam um princípio que deve estar acima de todas as coisas: Deus.
Não suporto fanatismo. A ideia fanática de as pessoas sobreporem toda a sua vida a um culto fausto, a um pastor hipócrita que se considera onipotente – mesmo que assim não se declare –, a uma fé cega cobrando direitos para estar aqui neste mundo feito por Deus, para mim, para você, para todos, inclusive pastores, me desgasta em absoluto. Ah, e o mundo foi feito para você desfrutar dele, de graça. Assim deve ser, concluo, o reino dos céus, de graça. Todos querem estar lá, mas ninguém voltou da morte para dizer se o lado de lá é bom ou ruim. Querem ir para lá por medo do que fazem aqui na terra ou por um pseudocompromisso firmado com Deus? Ou para continuar em dúvida?
Quero, antes de continuar, inclinar uma explicação breve: ao ler pastor em meu texto, não compreenda, necessariamente, o evangélico.
Qual a culpa de Deus em o mundo estar pecaminoso? Nós culpamos Deus por tudo. “Foi porque Deus quis assim”, falam alguns cegos pela fé. Seria mesmo fé? E, engraçado, para não dizer contraditório, é a Ele a quem recorremos para tudo, pois Ele isenta todos os nossos pecados, pensamos. “Se Deus quiser, vai dar certo”. Se falhamos, esperamos n’Ele, confiamos n’Ele. E se Ele não nos perdoar, é porque Ele é frio. “Meu Deus, por que isso foi acontecer?” Mas como posso saber se fui perdoado?
Todos os dias converso com Deus. Todas as horas, reflito sobre a presença de Deus em mim, no mundo. Meu culto com Ele é silencioso, íntimo, discreto, secreto, doce. Igual a Ele. As manifestações do Todo-Poderoso, na minha vida, são felizes, cheias de vida, de sorrisos. Tenho falhas, sou humano. Construo edifícios em mim, tenho ambições, sou humano. À minha parte humana não cabem culpas colossais. Cobro-me para não ir além do que a minha condição de gente me pede. Tento evoluir em mim um ser humano melhor do que aquele de ontem, lendo para elaborar um trabalho, dormindo tarde para manter um ritmo existencial cobrado pela sociedade, acordando cedo e louvando a Deus pela sua presença em minha vida.
Na cidade do Natal, algumas pessoas insistem veementemente para o caráter de província se perpetuar. O vereador-evangélico Albert Dickson (PP) sugeriu e – pasmem os eleitores – todos os vereadores que compõem a cética e imparcial (?) câmara assentiram em dar o título honorífico de “cidadão natalense” ao pastor carioca Silas Malafaia que em sua pregação mais louva o dinheiro do que mesmo ao objeto da reunião: Deus. Que, conforme a bíblia deve estar naqueles lugares onde um ou mais estiverem falando em Seu nome. Qual o preceito sugerido pela casa da moeda, então?
Quem assistiu aos cultos presididos pelo pastor carioca-natalense nos dias finais da última semana pode observar o quanto o dinheiro, o dízimo e a construção de riquezas são temas recorrentes para a argumentação de que Deus precisa de finanças e coagem os presentes a timidamente manifestarem a sua fé econômica retirando de suas bolsas quantias enormes, pois o próprio “pastor tirou umas notas de cinquenta, vinte, dez”.
Todo o discurso do ministrante da fé derrubou a argumentação nada eficaz do vereador indicador do título honorífico, que justificou um trabalho social e espiritual desenvolvido no Rio Grande do Norte. Qual? Alguém não-fanático sabe? Há resultados positivos? O “trabalho” aproximou a Palavra ao dinamismo do dinheiro que o pastor tentou – e conseguiu – arrecadar.
Deus também é surdo. O dele. O meu gosta das nossas conversas carinhosas à beira-mar, num passeio de bicicleta, numa viagem, numa festa. Ouvir os berros do pastor – forçando carisma ao pular no púlpito – é tão ruim quanto depositar a fé naquela igreja ladeada de dinheiro. Aos desavisados: também tenho esse conceito em relação a todas as igrejas que preferem manter uma ideia medieval de riqueza e ostentação gratuita a ter Deus como foco principal da religião.
O Deus que vive em mim e me orienta, sempre fala baixinho e diz: "Ah, meu filho, há mais igrejas do que pessoas felizes. Escreve o texto".

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Brincando de boneca - final

Constatou-se o que era, tinha sido do sol torrencial em que ela havia sido exposta quando criança, era câncer de pele, que já tinha danificado várias partes do corpo. Ela também foi diagnosticada com leucemia. Os filhos foram avisados e decidiram poupar a mãe da notícia trágica e fazer os tratamentos, dizendo ser para outra finalidade. A inocência de dona Glória não rebateu nada, acreditou ser doença da velhice, como ela falara, sua lucidez não estampava desânimo, em momento algum.
- Os véi tem essas coisa. Mas vô ficá boa. Minha mãe um dia mi falou qui meu pai tinha isperança in mim. Qui eu ia vencê. Venci e inda tô aqui contando histora.
Todos os presentes esforçaram-se para silenciar as lágrimas. Dona Glória realmente adorava falar de sua vida; não tinha mais a vitalidade de antes; com a velhice a coluna curvara-se e ela, que nunca foi alta, ficou menor ainda, os lábios ressequidos e magros juntos à pele do rosto enrugavam-se, parecia que todos os dias.
Dois anos de quimioterapia e uma morte silenciosa durante uma noite de inverno. Fomos avisados no mesmo instante. No sepultamento, minha tia Alzira, que eu não conhecia, apareceu com poucas lágrimas no rosto ao lado de um homem alto, bem vestido e que não quis se demorar por lá. Até hoje, nunca mais a vi.
Minha avó era forte, cheia de adjetivos. Uma pessoa que conheceu a vida nas experiências mais sofríveis. Experimentou as mais contundentes formas de dor e deixou um legado para toda a vida. Vivi pouco tempo em sua companhia, mas levarei para toda a vida o seu olhar encantador e a sua força vital, inabalável que sequer o câncer derrubou. A nossa família unida, graças a sua força de vontade e beleza de viver, chorou ressentida a perda irreparável.
Nunca me desfiz da boneca que ganhei aos dois anos de idade, é uma alegoria que pra mim é muito especial. Todas as vezes que minha mãe entra no meu quarto e quer ficar sozinha, eu entendo. Ela quer ver o brilho dos olhos da minha avó quando me presenteou a boneca.
Hoje faz dez anos que minha avó foi viver dias de glória e o mais emocionante foi ver meu tio Fernando depositar no túmulo dela uma coroa funerária feita com bonecas.

Quantos anos você tem?

Desconhecido surfista navegando em linhas misteriosas. As palavras me salvam. E me condenam. Exposto, fragilizado, não sei mais quem sou. Quando sei, ou penso inocente que sei, escrevo.

Lembro, recorrência pedagógica, de uma pergunta: "Quantos anos você tem?" Uma amiga. "Não sei" foi a resposta autoridade dada suavemente pela inquilina da indagação. Eu, intranquilo, não entendi. Filosofia mágica de uma vida encheu-me de luz. E de vontade.

Sei quantos anos vivi até aqui. Quantos eu tenho, não sei. Vivo.

Eu, surfista de um mundo de ondas bravias, violentas, guerreiras, equilibro-me. E escrevo.

Quantos anos você tem?


Não quero mais saber. Se o dia chega, o caminho traçado fica sem graça.

Vivo, pois.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Brincando de boneca - parte III

No entanto, quando Alzira completou vinte e dois anos, casou-se com um forasteiro, e queria levar Conceição para viver com ela. Dona Glória não aprovava o casamento, pressentia que o homem, Álvaro, não tinha boas intenções e não permitiu a saída de Conceição. Ela estava certa, em menos de um mês, estavam separados e Alzira se prostituiu, para decepção da família, que insistia na sua volta para casa.
Fernando, sempre persistente, passou no vestibular de Medicina e ajudou os irmãos a subirem na vida. Tentou chamar Alzira para perto de si, mas ela não queria largar a vida mundana dos vícios e do sexo. Ela nunca prosperou.
Fernando se formou aos vinte e nove anos e logo que isso aconteceu, tirou a mãe dos empregos miseráveis que lhe usurpavam as forças, dona Glória tinha quarenta e oito anos, uma aparência de sessenta e não suportava mais as asperezas que os empregos lhe impunham. Tinha sofrido muito na vida difícil. Num natal, perguntada pelo filho sobre o presente que queria ganhar, foi enfática:
- Uma máquina de lavar ropa.
- Mamãe, eu te dou a máquina, mas quero que peça uma coisa pra senhora, uma roupa, sei lá, algo que sirva somente à senhora.
- Meu fio, eu não priciso di nada, além di saúde, que Deus já mi dá.
Os irmãos Lázaro e Moisés se formaram dois anos depois, juntos, em enfermagem e Francisco de Assis, que sofria de uma doença neural, morrera com problemas cardiovasculares, para profunda tristeza de dona Glória que lhe dedicara um amor cuidadoso durante toda a vida, na intenção de fazê-lo, sempre que lhe era possível, feliz. Conceição, cinco anos depois dos irmãos, formou-se em Direito; casou com um juiz e no ano seguinte teve um filho que o batizou de Fernando, em homenagem ao irmão que amava incondicionalmente.
Dona Glória conseguiu se aposentar aos sessenta anos, no mesmo dia em que Fernandinho completava dois. Foi à rua, na companhia do tio homenageado, fez compras e levou o presente para a criança que estava com os olhos brilhando com o tamanho da embalagem.
- Dá vovó, dá vovó.
Ao rasgar o papel, todos se surpreenderam com o presente. Era uma boneca. Ao enviarem olhares indagadores para dona Glória, ela respondeu plácida:
- Sempre tivi vontade di ter uma. A primera veiz que eu vi uma eu tinha uns cinco, seis ano e fiquei encantada co’os calunga. Demorei a intender que era brinquedo, assim como eu era na mão do meu patrão que do algodão me pôs na cana-de-açúcar, no abacaxi e me jogava pra onde quiria. Ói essas marca na minha mão – e mostrou cicatrizes que deixaram marcas brancas na pele – Sai de lá graças ao pai de ocêis.
- Mãe, isso já tem muito tempo, não vamos relembrar agora, está bem? – falou Conceição emocionada.
Entraram em casa para comerem um bolo de chocolate que Conceição mandara fazer. E, no lugar de usufruírem do momento do aniversário, dona Glória ficou contando a história de sua vida, sempre acompanhada ao adjetivo difícil e do substantivo exceção, marcas continuadamente presentes em sua vida, que se uniam para formar a sintaxe de sua história.
Daquele dia em diante, dona Glória passou a comprar bonecas para si, brincava sozinha ou na companhia do neto e sempre lastimava a falta de sua filha Alzira.
Alguns meses depois, com fortes tonturas e dores no corpo, dona Glória fora levada a um hospital para fazer exames. Levou uma boneca vestida de noiva para as consultas, nenhum dos filhos pensou em barrá-la.
- O que são essas manchas pretas que a senhora tem das mãos aos braços?
- Sei dizê não dotô, eu sempre tivi isso. Né sinal não?

Vivo, sei disso. Escrevo, sei mais.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011


A literatura chegou - tem tempo - e me invadiu forte. Escrevo para deixar de ser e ser. E assim é minha essência.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Brincando de boneca - parte II

A existência era árdua e nunca melhorava, a labuta era difícil para todos e viver continuava penoso. Três irmãos de Glória, movidos por promessas de trabalho digno no sudeste do país, angariaram dinheiro e foram lá tentar a vida, mas não sem antes prometer voltar para buscar a todos e dar uma vida mais confortável para os que ficavam. Dona Alzira não pôde ver tal promessa se cumprir, morreu num fatal acidente na plantação de cana. Glória com quinze anos, ficou aos cuidados de Serafim, o segundo filho de sua mãe. Serafim era casado com Joaquina e morava na mesma casa que seu Canindé abandonara devido à morte. Os outros irmãos de Glória nunca mais voltaram.
A beleza da jovem Glória encantara Raimundinho, um funcionário da casa de seu patrão que passou a lhe cortejar. Pressionada por Serafim para que fizesse um bom casamento, mas também sem ter como resistir à singular beleza e à aguçada educação de Raimundinho, Glória casou aos dezoito anos de idade; aos dezenove pariu Fernando, aos vinte um, Lázaro, vinte e dois homenageou sua mãe e colocou o nome de sua primeira filha de Alzira, voltou a parir aos vinte e três, dando a luz a Moisés, aos vinte e quatro sofreu um aborto quando caiu no quintal lamacento de sua casa, sofrendo várias hemorragias, mas engravidou novamente e teve com vinte e cinco anos, Francisco de Assis, que nascera doente; como era outubro, ela quis homenagear o santo. Aos vinte e seis anos teve sua segunda filha, que também nasceu para homenagear uma santa, era oito de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição.
Passado algum tempo e com muito sacrifício, Raimundinho comprou uma casa para eles na cidade, modesta, pequena, “mas agora temos onde morar”, falou satisfatoriamente. Glória se encantava ainda mais com os cuidados que o marido lhe tinha. Aos trinta anos, Glória já tinha mais filhos do que teve sua mãe durante toda vida; há algum tempo não trabalhava fora, cuidava dos filhos, do marido e da casa. Era uma perfeita dona de casa.
Para que a vida não tenha se mostrado tão condescendente com Glória e lhe tenha dado rápida ascensão, mostrou-lhe passageira felicidade. Raimundinho virou a cabeça e se entregou à bebida e aos jogos, mudou o comportamento com a esposa e lhe bateu várias vezes diante dos filhos. Iniciou então mais uma fase trágica na vida de Glória, que não se manifestava contra o marido, lembrava que ele tinha sido uma pessoa boa e achava, no fundo, que ele ia mudar, ia retomar a antiga posição de marido preocupado com a família. Tudo era ilusório, a bebedeira continuava cada vez mais intensa e as surras na mulher mais graves, chegou a quebrar-lhe o braço com uma barra de ferro que, na hora da briga, estava por perto. Raimundinho, rico de dívidas altíssimas e sem ter como pagá-las aos comparsas da mesa de jogo, fora assassinado, quitando assim suas dívidas.
Serafim quis que Glória voltasse a trabalhar na fazenda, mas ela decidiu procurar outro meio de ganhar dinheiro, não tinha medo de trabalhar, mas não suportava a vida árdua na fazenda e não estava disposta a ser manuseada como objeto pelo patrão, um algoz que matava devagar, nem tampouco, colocar os filhos para trabalhar ali, naquela escravidão.
E então, mais uma vez Glória teve de trabalhar arduamente, lavava roupa de ganho para a vizinhança e era doméstica na casa de uma outra família que lhe consumia as forças; entrava madrugada lavando roupas que engomava de manhã cedo, antes de sair para o trabalho e depois de deixar o almoço dos filhos pronto. Fernando, o mais velho tomava conta dos irmãos junto com Lázaro.
Dona Glória foi criando os filhos com o mais sacrificado suor, na mais difícil intempérie, trabalhava incansavelmente dia, noite e madrugada, dormia três horas por noite. Era uma pessoa feliz, mas lamentava das agruras em que lhe pusera o destino, e não deixava de caminhar em busca da prosperidade dos filhos. Fernando era disciplinado e tinha um amor infinito pela mãe, estudava e já fazia uns bicos para ajudar nas ínfimas despesas da casa. Todos os outros filhos, com exceção de Quinquino, como chamavam Francisco de Assis, estudavam, e Lázaro era o responsável por levá-los e trazê-los da escola. A família era unida e dona Glória via nisso um ponto de luz para a jornada que ela percorria.

Quando escrevo, vivo, sou Peterson, o escritor. As demais horas vivo a pensar em Peterson.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Brincando de boneca

Quando Glória nasceu, a situação de sua família era deplorável. Canindé, seu pai, já estava velho e doente, mas continuava trabalhando nas terras do seu patrão, em especial na plantação de algodão onde fazia de tudo, do plantio ao descaroçar, ganhava pouquíssimo e o dinheiro não dava para sustentar satisfatoriamente os filhos e a esposa, mas agradecia a Deus todos os dias pelo emprego e pela comida, não se entregava às melancolias da vida e se sentia feliz. Glória era a quinta vida que punha no mundo, ele viu a esperança renascer quando irromperam as primeiras lágrimas do bebê franzino, que nascia sem nome, mas que, quando a parteira verificou o sexo, o suspiro da mãe a batizara.
O primeiro contato de Glória com a aspereza foi o toque das mãos de seu pai que pedira para segurá-la, mãos calejadas devido à árdua tarefa que empreendia.
- Ispero que ocê seje filiz, minha fia. Esse mundo de Deus é um bocado injusto. E ocê há de vingar!
Canindé tinha, segundo os médicos, um blastoma maligno na bexiga, que depois de algum tempo lhe deixara prostrado na cama. A recuperação era nula, pois a falta de recursos não admitia melhoras eficazes. Ele ainda conseguiu reter a vida dentro de si, vendo assim o primeiro ano de existência da última filha, morreu num domingo à tarde, quando todos estavam de folga de seus afazeres. A doença lhe esturricara a pele, assim como faz a seca à terra.
Abelardo, o dono das terras onde trabalhava seu Canindé, apesar de sua mesquinhez, deu ao morto um enterro digno e deixou a família residindo na mesma casa, mas alertou à viúva que os preços não mudariam. Alzira ficou desesperada, ela também trabalhava na roça, mas sabia que somente o seu salário seria insuficiente para sustentar os cinco filhos, ela chorava na labuta árdua e diária dos algodoeiros, tinha o corpo todo arranhado e as mãos feridas. Ela recorreu à única opção que tinha: colocar os filhos para trabalhar. Somente Glória não trabalhou imediatamente, era muito novinha, mas não demorou muito e lá estava ela ajudando no descaroçador onde ficavam as crianças menores, que iam também se sujar de branco. Em poucos meses, os filhos de Alzira haviam mudado de cor, estavam todos queimados do sol, assados, mas como estavam em convívio diariamente, ninguém conseguiu perceber diferença alguma.
Aos seis anos, Glória, como os irmãos, era precisa no manejo com facões, rápida no descaroçar e muito eficiente nas outras plantações que seu patrão possuía. Num dia, sem quê nem pra quê, acordou sem vontade de ir trabalhar e mesmo com a insistência da mãe a decisão parecia reinar absoluta. Dona Alzira falava da falta que fazia Canindé na criação dos filhos e contava a história da vida dos dois. Glória, sem maturidade para entender o que a mãe relatava, não demonstrava nenhuma alteração na vontade e continuava imóvel, sua mãe perdera a paciência e lhe levou à força, segurando o braço da menina aos berros, que cessou o seu choro quando, passando em frente à casa do patrão vira Terezinha, filha dele, brincando com bonecas. Glória nunca tinha visto uma e se encantou com as miniaturas de gente, todas arrumadinhas, coloridas, feitas de várias formas e materiais, plástico, borracha e a maioria feita artesanalmente, de pano, preenchida com uma ironia sarcástica, algodão que Glória penteava.
- Bora minina qui a hora tarda.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sou o que me dou à felicidade de dizer: um escritor. Escrevo. E isso é, para mim, toda a essência de que sou feito.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011



















Um dia assim, de ser feliz. Embora o mau humor tenha acordado antes.

sábado, 29 de janeiro de 2011

BBB e outras prioridades


Há muito tempo, o Brasil tem passado por uma fase de baixíssima autoestima. Modelos perfeitas compõem um cenário imperfeito. Outra vez um palestrante falava que a Gisele Bündchen adoraria ser parecida com ela depois das maquiagens e Photoshop a ela aplicados. As pessoas querem emagrecer para entrarem num padrão de beleza que não é o nosso e não porque estão preocupadas com a saúde. A mídia é responsável por essa disseminação e as pessoas estão cada vez mais alienadas.

Aí entra o BBB. Corpos esculturais, tatuagens imensas colorindo corpos e fazendo de pessoas comuns, ícones da televisão brasileira. O preço da fama, o preço de aparecer. Se fosse feita uma entrevista com os participantes do reality show, certamente eles próprios não gostariam de estar presos em suas residências. Qual a razão de quererem estar presos e assistidos pelo Brasil inteiro, perdendo, sobretudo, suas respectivas privacidades?

No dia de estréia do programa dirigido pelo famoso e misterioso Boninho – que, de tão desconhecido, escutei um desavisado rapazinho perguntar se o diretor e o apresentador Bial eram a mesma pessoa –, assistimos a inúmeras residências sem o glamour e o conforto da casa “mais vigiada do Brasil”, desabarem na região serrana do Rio de Janeiro, o estado brasileiro mais procurado pelos turistas do mundo inteiro. Vimos famílias serem desabrigadas e perderem seus parentes. Escutamos histórias terrivelmente tristes de pessoas que ficaram sozinhas no mundo para narrarem as dores de perder a família inteira. O brasileiro solidarizou-se com essas histórias e fez mutirões para ajudar, roupas, comida, dinheiro.

O contraste de que somos um país solidário é encontrar pessoas que são fúteis ao extremo, vazias. A preocupação exacerbada com o corpo deixa a mente doente. Desculpem-me os aficcionados pelo BBB, eu próprio, atacado pela gana do dinheiro e da fama, já fui um viciado no programa (as pessoas têm defeitos), mas, felizmente, particularmente e francamente não vejo sentido algum em estar dentro de uma casa. Evoluí. Já assisti a programas em que os ex-participantes disseram, convictos de que estavam falando a verdade absoluta de quem procura um programa como esse, que foi a melhor experiência pela qual já passou. Aí falaram de amadurecimento, evolução espiritual (fico pensando qual foi o momento em que o pessoal estava lá, à procura de Deus ou falando sobre Deus), e outras experiências que Buda, Gandhi e Jesus passaram, sem serem vistos nos realitys shows. Jesus não escreveu uma linha sequer. E até hoje é ovacionado pelos quatro cantos do mundo. Quem foram os participantes do BBB I? Os vencedores? Eu não lembro. O Google talvez lembre.

Qual a diferença que o BBB faz na sua vida? E na de quem está lá? A minha diferença no meu mundo foi encontrar os caminhos possíveis e plausíveis para o meu crescimento e ojeriza a esse programa tão vazio, nesse segmento. Enquanto pessoas gastam seu dinheiro enviando torpedos para eliminar fulano ou sicrano do jogo, há outras pessoas que enviam torpedo para declararem a satisfação de ter por perto pessoas reais, que fazem do dia a dia, a vida melhor.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

os contrastes.



A loura gelada vai muito bem obrigada, nos comerciais e principalmente nos bares onde é livremente vendida àqueles que se deliciam ao sabor da cevada e álcool fermentados. Os novos carros do ano invadem a TV e, imediatamente as ruas e avenidas brasileiras, onde os novos proprietários desses satisfazem suas necessidades de ostentar o novo modelo sobre quatro rodas.

Até aqui, parece que vivemos às voltas da televisão, o que não chega a ser uma inverdade completa, mas dentro da realidade – o trivial recaí sobre mim, que é dura – as diferenças do que é mostrado pela caixa animada não são tão díspares. Se pararmos para comparar, inúmeros Zecas, Joões e Pedros que conhecemos bebem diariamente e dirigem os modelos mais recentes dos carros anunciados na mídia.

Mas, enquanto louras e mais louras são esvaziadas nos bares, um outro número maior de louras se esgotam na busca constante de emprego, juntas a mulatas, ruivas, morenas, negras e pardas, chegando ao final do dia com respostas negativas, sem promessas, nem esperanças para o dia seguinte. O mesmo se aplica ao gênero masculino.

O sinal fecha, mas o carro avança. O orgulho de ser novo e mais potente é grande, tem de mostrar a todos; a placa de limite máximo permitido é muito pouco para a velocidade que o carro pode desenvolver, mas nenhum consegue desenvolver velocidade alguma frente aos destroços e a mortandade que os acidentes causam, da impotência adquirida diante de tão grande violência social.

E as drogas? Ah, essas são as campeãs de audiência. Principalmente, as não-legalizadas. Todos os viciados estão diante delas todos os dias, e muitos, várias vezes ao dia, desde cedo da manhã, passam pelo horário nobre e entram madrugada afora para dar continuidade ao ciclo. Esse é um problema que o Brasil não encontra tecnologia alguma para frear.

Aliás, o Brasil não tem encontrado solução alguma para inúmeros problemas que, como a cerveja, aparecem na televisão, embora embutidos em noticiários e, como os novos carros, são bastante potentes e desenvolvem velocidade até maior, pois atinge quase todo, se não a totalidade do território brasileiro.

E a resposta governamental?

Políticas compensatórias, programas incoesos que não chegam a atingir sequer a metade daqueles que sofrem com o problema.

E muitas, muitas perguntas sem respostas, sem ações concretas, enfim, ficamos no vácuo da “ordem e progresso”.

Nosso governo tem ainda um slogan que nos deixa confusos, sumariamente perdidos dentro da propaganda. Peço-lhe, requintado leitor, que ao término destas linhas escritas, volte ao título para entender, compreender verdadeiramente o que diz: Brasil, um país de todos

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011


Essa vontade estonteante de mostrar ao mundo que eu faço parte dele através do que escrevo é a salvação da minha alma.

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