quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Pássaros e leões - Fábula de um real


“Ama-me pouco, mas ama-me por muito tempo.”


A história foi bem assim: o leão se encontrou com o pássaro, por acaso. O pássaro então ficou rondando o leão que, em sua solitária altivez de rei, nem percebera. Até um dia saírem das telas sociais e se encontrarem, também por acaso. O pássaro dormiu na cova do leão, acordou e bateu asas. O leão nunca mais soube do pássaro. E a história termina assim.

Nunca fez parte do convívio animal a relação amistosa entre pássaros e leões. Aqueles fazem parte da cadeia alimentar destes. E a história parecia se transformar.

O leão, rugindo na sua floresta particular, começou a sentir falta do pássaro que, em voo de retirada, nunca mais bateu asas ali perto daquela juba nem imensa, mas que, entre contradições e paradoxos, sentiu falta do pássaro para lhe cativar. Assim, de sua imponência, tentou o leão fazer uma inversão na sua tática de sobrevivência sentimental e soltou seu uivo algumas vezes em direção àquele pássaro que, conforme percebera, também tinha hábitos nobres. Mas sem perceber o pássaro voltar de seu alto voo, sentou-se em sua selva, triste, deitou e tenta hibernar.

É esse leão um animalzinho domesticado, sensato, letrado, intrigado e desconfiado. Esse leãozinho é de uma espécie rara, branco. O leucismo, segundo mesmo a biologia, não lhe confere sensibilidade ao sol, mas reduz a capacidade de se camuflar diante das presas. Os olhos opacos talvez tenham escondido mais claramente o que o pensamento tentou explodir. Parecia mesmo que os olhos estavam pulando para os olhos do pássaro, em riste. Conforme aprendera, os pássaros e alguns outros animais estão prontos para atacar. Ele também deveria ser assim. Mas, conforme aprendera, comportou-se como rei. Conforme aprendera, não podia se apaixonar por pássaros. Lera, ele próprio, quando as patas deixavam folhear, num livro de um tal Rubem Alves (há os leões que adoram ler; este adora Clarice e Caio, os seus "cês") que o amor é como um pássaro no dedo, sempre pronto para voar. Esplêndido, o leão não aprendera exatamente o que significavam essas quatro letras, mas tinha uma sede enorme para tal. Em um momento, parecia ter visto no pássaro que ali pousava – repentinamente –, essa oportunidade. Sentia-se tolhido na selva. Não via e nem respirava o amor que outros animais pareciam sentir. Mentiam? Fingiam?

O leão, um ser pensante, cativante, estonteante, emotivo e paradoxalmente racional, continua, até hoje, sua história de solidão: encontrava outros animais que, iguais a ele, estavam desacreditados no próprio poder de referência para o que seria um sentimento. Leão que é, volta para a sua cova. O leão branco via as marcas que o pássaro, o outro ser pensante, deixava, voando de um lado a outro na pequena cidade que o natal escolhera para nascer. Na cidade boa, desprovida de atitude, desprovida de opções para leões e/ou pássaros se encontrarem e ele enfim saber como pulsa o coração dos pássaros. Na cidade que o leão se despedia, para então viver em outra selva, maior, com mais densidade e manadas maiores, passaradas maiores. O leão solitário no seu reino de glórias igualmente solitárias escrevia, lenta e vagarosamente, os seus dias brancos, preenchidos, assim com as cores que o nada pinta.

O pássaro, mais distante do leão do que mesmo no período anterior ao encontro dos dois, na selva, quando o leão corria, voava, tentava voar mais longe e mais distante dos gritos que o afugentava pelas manhãs efusivas de um dia que amanhecia pronto para desafios no corre-corre da vida que corre. As penas, caindo em direção ao nada, sob os planos de uma selva de pedra, fortificavam-se sempre. Sempre há um outro pássaro pousado por perto. E assim parece terminar a história.

2 comentários:

Tinho Valério disse...

Um dos textos mais lindo que já li desse cabeção... Putz amigo, vai escrever bem assim num livro pra lançar neh? To esperando... hahaha

Peterson Nogueira disse...

Este comentário não é meu. É da minha amiga Dé Rodrigues, que por causa de um problema na net, não conseguiu postar aqui as suas considerações acerca do meu conto. Eis:

"Eu tenho um amigo leão que foge de pássaros e da pequenez humana, ele é forte, é boneco de pano, é meu herói.

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