sábado, 6 de março de 2010

O Escritor e o Psicólogo


O homem na sala. Havia um homem na sala, à espera de ser atendido. Percebia-se um pequeno vão, desde a porta. O lugar dos interrogatórios. Pensava na palavra “interrogatórios”, quis mudar, chegou à outra conclusão. O lugar da investigação. Não, não. Das discussões. Melhor, da conversa. Pronto, o lugar da conversa. Pensava demasiadamente nas palavras que o corrompia, prendia e soltava o seu ser, preso ao instante-sempre que o acompanhava. Sabia-se que as conversas deixariam aquele homem bem. Via-se um homem não abatido, nem quase isso, mas um homem reticente.

O teor lacônico deixava-o enigmático. Vestia-se de esfinge, mas deixava passar mistérios sem solução. Talvez por isso. Lutava contra si numa guerra fria, silenciosa o suficiente para gritar dores de saudade de um momento inócuo. Como era, como foi esse momento? É?

Em que lugar da infância percebeu o rompimento dessa inocência? Procurava burilar os dias que se seguiam naquela maturidade. Detestava-se criança pensante, radiante, feliz com o pouco. Desejava desconstruir esse discurso-pensamento, fingia-se maduro, mas sabia que.

Havia um sentimento perseguindo-o, à espera de ser vivido. Pertencia-o desde sempre, ainda que não fosse sustentáculo, alicerce, base ou coluna do seu lugar-pessoa. Queria-o de fato? Tentava não pensar nesse mistério que o deixava retraído. Pensara mais uma vez na palavra. Eram involuntários os pensamentos recorrentes. O conteúdo sempre corria em direção ao pódio. Ele o destronava. A tecla apertada continuadamente. O pensamento esmagava o grau etílico, talvez por isso não ficasse bêbado. Mas os pensamentos estão direcionados a um canto da lembrança. Sabiamente a deixava vaga. Impunha-se um déficit, ou quase isso, um homem reticente.

O hálito alcoólico o transformava num adulto. Punha uma roupa branca. Aprendera a esperar respostas assim. Certo disso, nem lutava. Explodia-se num seu alto depressivo ser, sem dores ou outras rimas. Entrou na sala das conversas. Instalou-se comodamente no vão. Não havia um momento ímpar. O nada diluía-se na concretude dos fatos. Isolados. Perdia-se a objetividade, perdia-se a chave, quiçá se encontraria naquela noite.

Não percebia. Os sentimentos emanavam a imaturidade da sua maturidade. Amava-se desértico. Pensa nas palavras. Nunca se vira assim. Era uma couraça pretendida. Ratifica-se. Ama-se sedento infinito de um sentimento quente. Embora frio. Não sabia o porquê, mas não o encontrava. Era horrível não encontrá-lo. Queria construir um castelo digno da maturidade que possuía aos vinte.

E nove instantes se passaram até aqui. Vira o homem que é, e, sobretudo, o homem que não era, e até o que nunca será, vira a criança que fora um dia e o perseguia para assuntos daquela/dessa natureza. Quem decide sobre mim é a criança ou o homem? Nem quero saber. Há um que gosta mais. Há sentimentos resistentes? Sempre.

Via-se melhor, mesmo reticente, depois dos monólogos no vão das conversas que criara para si. Para se fazer personagens conversando sobre a sua vida. Vida minha? Agora pensa na palavra “minha”. Está tão liberta na prosa enigmática. Há uma voz que não responde. Há um nada que atinge o peito. Mas está melhor. Nem sempre se preocupa com as respostas, pois sabe-se existir o mesmo ser que.

Peterson Nogueira

2 comentários:

Arthur Dantas disse...

pela segunda vez eu te senti "moderno"

"Em que lugar da infância percebeu o rompimento dessa inocência? Procurava burilar os dias que se seguiam naquela maturidade. Detestava-se criança pensante, radiante, feliz com o pouco. Desejava desconstruir esse discurso-pensamento, fingia-se maduro, mas sabia que."

Hoje te desejo Parabéns.

texto maravilhoso

me fez lembrar como Virginia Woolf foge da realidade apartir de um ponto de ligação como mundo, a diferença, é que ela sempre volta através do mesmo ponto pelo qual ela fugiu, e vc faz as imagens se perderem, até não saberem de onde vieram e nem quem são de verdade. Parabéns

Unknown disse...

Lembrar Vírgina Woolf já é um elogio maravilhoso.

Quanto ao entendimento do texto, fugir, perder-se, enfim, isso faz parte da visão que o leitor tem que ter, né? ;)

Obrigado pelos comentários.

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