terça-feira, 23 de março de 2010

Teoria clichê


Pensava e contradizia Descartes. Sentia um vazio enorme quando se remetia às coisas que queria viver, sentir, experimentar. Lembrava que alguém, um filósofo, um poeta, alguém, nem sabia, dissera que havia metafísica demais em não pensar em nada. Conseguia pensar em nada. Pensava em nada. Em ninguém. Na vida. Pensar era uma constante.

Achava que não ia viver amores, medos, ciúmes. Vivia todos os sentimentos do mundo. Só. Pensava vintequatro horas no sentido que a vida podia ter. A ansiedade era sua parceira imediata. Era poeta. Escrevia em linhas imaginárias romances que nunca vivenciara. Via Bandeira deflagrar a sua rotina tão miserável.

Fizera uma tatuagem para se sentir igual. Era diferente por ser inteligente. Leu o livro cujo autor inspirou sua mãe para o batismo. O parto mostrou um mundo caótico. Caos e destruição. Sentimentos e laços. Adorava a família. Lia os escritores modernistas. Adorava literatura. Ouvia MPB. Desconhecia os enlatados. Adorava música. Gostava da nostalgia que cercava a sua vida. Adorava os amigos.

Conseguia avaliar sem culpa a vida que jamais escolhera ter. Adorava-se intenso.

Qualquer detalhe o transpunha para a imaginação do que seria, se tivesse a oportunidade de fazer acontecer. Ria lembrando as piadas dos amigos. Ria sozinho. Chorava com propagandas, filmes, novelas, músicas. Falava sozinho. Aliteração, hipérbole, oximoro, metonímia, gradação. Um dia, lembrou vagamente, quis não existir. Sentia-se figura de linguagem. Era vômito da boca infernal. Nunca teve coragem de sucumbir sozinho. Estava feliz, num sonho. Acordou com o próprio bruxismo. O suor desenhava chuva num terreno árido.

Sempre. Pensava e contradizia a teoria clichê. Achava que uma síncope ia abraçá-lo quando avaliava a vida e as perspectivas envolventes de um futuro incerto. Qual não é? Gostava do Chico Buarque cantando Construção.

Lambia a vaga lembrança de um dia de chuva. Lavoura que plantava sacramentos. Sinestésico, tocava pensamentos, ouvia músicas inaudíveis, perpetradas no tato da visão cega. Havia uma teoria a seguir. Era pura filosofia de uma vida clichê. Amava-se, amargava-se, entulhava-se. Era simbólico.

Via o futuro engrandecer o tamanho minúsculo do homem que amava a criança perdida. No vão. No vácuo. Na maturidade. Na lama. No inferno do vazio. No vazio do céu que não conseguia ver. A criança não fugia. Estava lá, sozinha e leve.

Sacudia as teorias. Lembra sempre da mãe. Dos conselhos e da persistência da memória do Dali. Vive confirmando e confinado à vida só, cheia de eus à procura de teorias.

7 comentários:

Renata Freire disse...

Ótimas palavras, como sempre. O ruim é que nem sempre posso comentar neles. rs Porém, sabes que amo seus textos. E lá vou eu de novo: estudar, estudar... E estudar! Saudades imensas. Bjos!

Arthur Dantas disse...

você é bem você...

em tudo...

Carlos Júnior disse...

Quem conhece você, percebe que o texto tem algo seu, fala de você e em você!
Muito bom.

Unknown disse...

Ta muito bom! Muito lindo mesmo. E algumas coisas tem você rs. Mas o bom é que outras pessoas também conseguem se identificar.
Gostei tanto que coloquei no perfil. Sem sua permisão, mas claro que eu coloquei seu nome.

Anônimo disse...

Ahhh...
Vou falar oq todo mundo falou... Naum vale =P
Tem muito de você nesse texto mermu.
Ficou muito legal.
Parabéns =D

Paulo Henrique disse...

"[...]havia metafísica demais em não pensar em nada. Conseguia pensar em nada". Bem ao estilo Alberto Caeiro. Adorei!

Unknown disse...

Pelo pouco que te conheço já dar para perceber que seus textos falam seus sentimentos, duvidas, verdades, estou virando fã .

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