sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Brincando de boneca - final

Constatou-se o que era, tinha sido do sol torrencial em que ela havia sido exposta quando criança, era câncer de pele, que já tinha danificado várias partes do corpo. Ela também foi diagnosticada com leucemia. Os filhos foram avisados e decidiram poupar a mãe da notícia trágica e fazer os tratamentos, dizendo ser para outra finalidade. A inocência de dona Glória não rebateu nada, acreditou ser doença da velhice, como ela falara, sua lucidez não estampava desânimo, em momento algum.
- Os véi tem essas coisa. Mas vô ficá boa. Minha mãe um dia mi falou qui meu pai tinha isperança in mim. Qui eu ia vencê. Venci e inda tô aqui contando histora.
Todos os presentes esforçaram-se para silenciar as lágrimas. Dona Glória realmente adorava falar de sua vida; não tinha mais a vitalidade de antes; com a velhice a coluna curvara-se e ela, que nunca foi alta, ficou menor ainda, os lábios ressequidos e magros juntos à pele do rosto enrugavam-se, parecia que todos os dias.
Dois anos de quimioterapia e uma morte silenciosa durante uma noite de inverno. Fomos avisados no mesmo instante. No sepultamento, minha tia Alzira, que eu não conhecia, apareceu com poucas lágrimas no rosto ao lado de um homem alto, bem vestido e que não quis se demorar por lá. Até hoje, nunca mais a vi.
Minha avó era forte, cheia de adjetivos. Uma pessoa que conheceu a vida nas experiências mais sofríveis. Experimentou as mais contundentes formas de dor e deixou um legado para toda a vida. Vivi pouco tempo em sua companhia, mas levarei para toda a vida o seu olhar encantador e a sua força vital, inabalável que sequer o câncer derrubou. A nossa família unida, graças a sua força de vontade e beleza de viver, chorou ressentida a perda irreparável.
Nunca me desfiz da boneca que ganhei aos dois anos de idade, é uma alegoria que pra mim é muito especial. Todas as vezes que minha mãe entra no meu quarto e quer ficar sozinha, eu entendo. Ela quer ver o brilho dos olhos da minha avó quando me presenteou a boneca.
Hoje faz dez anos que minha avó foi viver dias de glória e o mais emocionante foi ver meu tio Fernando depositar no túmulo dela uma coroa funerária feita com bonecas.

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