segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Brincando de boneca - parte II

A existência era árdua e nunca melhorava, a labuta era difícil para todos e viver continuava penoso. Três irmãos de Glória, movidos por promessas de trabalho digno no sudeste do país, angariaram dinheiro e foram lá tentar a vida, mas não sem antes prometer voltar para buscar a todos e dar uma vida mais confortável para os que ficavam. Dona Alzira não pôde ver tal promessa se cumprir, morreu num fatal acidente na plantação de cana. Glória com quinze anos, ficou aos cuidados de Serafim, o segundo filho de sua mãe. Serafim era casado com Joaquina e morava na mesma casa que seu Canindé abandonara devido à morte. Os outros irmãos de Glória nunca mais voltaram.
A beleza da jovem Glória encantara Raimundinho, um funcionário da casa de seu patrão que passou a lhe cortejar. Pressionada por Serafim para que fizesse um bom casamento, mas também sem ter como resistir à singular beleza e à aguçada educação de Raimundinho, Glória casou aos dezoito anos de idade; aos dezenove pariu Fernando, aos vinte um, Lázaro, vinte e dois homenageou sua mãe e colocou o nome de sua primeira filha de Alzira, voltou a parir aos vinte e três, dando a luz a Moisés, aos vinte e quatro sofreu um aborto quando caiu no quintal lamacento de sua casa, sofrendo várias hemorragias, mas engravidou novamente e teve com vinte e cinco anos, Francisco de Assis, que nascera doente; como era outubro, ela quis homenagear o santo. Aos vinte e seis anos teve sua segunda filha, que também nasceu para homenagear uma santa, era oito de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição.
Passado algum tempo e com muito sacrifício, Raimundinho comprou uma casa para eles na cidade, modesta, pequena, “mas agora temos onde morar”, falou satisfatoriamente. Glória se encantava ainda mais com os cuidados que o marido lhe tinha. Aos trinta anos, Glória já tinha mais filhos do que teve sua mãe durante toda vida; há algum tempo não trabalhava fora, cuidava dos filhos, do marido e da casa. Era uma perfeita dona de casa.
Para que a vida não tenha se mostrado tão condescendente com Glória e lhe tenha dado rápida ascensão, mostrou-lhe passageira felicidade. Raimundinho virou a cabeça e se entregou à bebida e aos jogos, mudou o comportamento com a esposa e lhe bateu várias vezes diante dos filhos. Iniciou então mais uma fase trágica na vida de Glória, que não se manifestava contra o marido, lembrava que ele tinha sido uma pessoa boa e achava, no fundo, que ele ia mudar, ia retomar a antiga posição de marido preocupado com a família. Tudo era ilusório, a bebedeira continuava cada vez mais intensa e as surras na mulher mais graves, chegou a quebrar-lhe o braço com uma barra de ferro que, na hora da briga, estava por perto. Raimundinho, rico de dívidas altíssimas e sem ter como pagá-las aos comparsas da mesa de jogo, fora assassinado, quitando assim suas dívidas.
Serafim quis que Glória voltasse a trabalhar na fazenda, mas ela decidiu procurar outro meio de ganhar dinheiro, não tinha medo de trabalhar, mas não suportava a vida árdua na fazenda e não estava disposta a ser manuseada como objeto pelo patrão, um algoz que matava devagar, nem tampouco, colocar os filhos para trabalhar ali, naquela escravidão.
E então, mais uma vez Glória teve de trabalhar arduamente, lavava roupa de ganho para a vizinhança e era doméstica na casa de uma outra família que lhe consumia as forças; entrava madrugada lavando roupas que engomava de manhã cedo, antes de sair para o trabalho e depois de deixar o almoço dos filhos pronto. Fernando, o mais velho tomava conta dos irmãos junto com Lázaro.
Dona Glória foi criando os filhos com o mais sacrificado suor, na mais difícil intempérie, trabalhava incansavelmente dia, noite e madrugada, dormia três horas por noite. Era uma pessoa feliz, mas lamentava das agruras em que lhe pusera o destino, e não deixava de caminhar em busca da prosperidade dos filhos. Fernando era disciplinado e tinha um amor infinito pela mãe, estudava e já fazia uns bicos para ajudar nas ínfimas despesas da casa. Todos os outros filhos, com exceção de Quinquino, como chamavam Francisco de Assis, estudavam, e Lázaro era o responsável por levá-los e trazê-los da escola. A família era unida e dona Glória via nisso um ponto de luz para a jornada que ela percorria.

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