sábado, 12 de setembro de 2009

Lata d'água na cabeça


Uma lata na cabeça e uma força motriz: a sede dos filhos. Uma fome canibalesca e um corpo talhado em poucas dimensões, espessuras minguadas e pequenez desenham o busto da mulher que procura a água no sertão nordestino. O nome deve ser Maria e deve ser Das Dores ou Das Forças ou Dos Filhos. A força não pode vir de outro lugar: a esperança e vontade de fazer dos filhos, grandes homens para a construção de uma sociedade mais igualitária.
Assim se passam os anos da vida das mulheres que sob o suor do sol, ardem os descalços pés quando caminham na aridez das areias que sujam suas poucas e rasgadas roupas, sempre à procura de água para dissipar a sede, ou alimentar o feijão, a água da vida.
Muitas outras Marias vivem sem dores ou com elas, carregam latas que equilibram a cegueira enquanto deixam rastros de uma vida honesta para que a verdade das ações humanas sejam respaldadas no mérito da essência da verdade translucidada pela sociedade ricamente hipócrita.
Mulheres que invariavelmente se doam para que o mundo mude. Mulheres que mostram que suas conquistas, mesmo anônimas, representam traços de qualidade infinitamente superiores diante das intempéries. Mulheres que deixam o leite sugar o peito para a fome da criança cessar. Mulheres que queimam sutiãs em praças públicas e levantam a voz para sentirem a liberdade como subordinada e dizerem que a conquista é apenas uma característica inerente à sua natureza de mulher.
É na beira da estrada morta, derramando a água da lata, ou o sangue da face que ela, devagar e sempre, conquista seus ideais ou frente a um mundo inteiro à sua disposição, sempre a partir de lutas que mostram a sutil diferença de seres que agem ao lado da consciência contra um poder ignorante que retine o machismo enraizado na veleidade aportada na sociedade perpetuamente machista. Lutas diárias que mostram o valor libertário das conquistas da mulher que transforma o mundo e finca sua bandeira que esvoaçará até o infinito fazendo ecoar um grito há muito silencioso. O grito que ecoa na imensidão da palavra mulher, afirmando sempre suas conquistas. Importantes conquistas que lhes dão a nobreza vinculada a serenidade de suas vidas.
A lata d’água na cabeça ou o espaço nas mãos de uma mulher apenas refletem a real simbologia que elas representam: o valor de suas conquistas.
Um outro conceito de mulher é inaceitável.

2 comentários:

Alan Dantas disse...

Confesso que nunca adicionei uma página aos meus favoritos com tanta verdade como o faço agora... É sempre revigorante alimentar-se de letras tão cheias de sabedoria... Parabéns, meu amigo! E obrigado por fazer de meu cotidiano virtual uma deliciosa experiência de ser gente.
Lindo texto... E sugiro aos leitores uma experiência que fiz: leia-o novamente, ouvindo a canção "A força que nunca seca"... Maravilhoso!

Unknown disse...

Maraviloso, "Um outro conceito de mulher é inaceitável." Palavras sábias. Pra quem esqueçe das mulheres das dores, e só se lembram das fúteis. Tenho ctz Peterson que vai ser mto proveitoso lhe seguir. *-*

Ta muito bom mesmo o texto. :))

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