quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sons da madrugada



Enquanto a madrugada se embebedava na literatura clariceana, ele tinha certeza de ser um menino. Gostava de pronunciar o sobrenome daquela que confirmava o seu ser menino. Lispector, Lispector, Lispector.

O menino também gostava do dia, da noite, de Pasárgada, da que anda perdida no mundo, de Ceci, do Pessoa e das pessoas. Gostava de arte, da última Flor do Lácio, das figuras de linguagem e de retórica. Era metafórico. Deleitava-se na ironia. Enamorava-se do Romantismo, tentava se apaixonar pelo Pós-moderno, mas temia se desmanchar no ar. Era sólido?

Acreditava no abstrato. Detestava o efêmero. Gostava de chocolates. Não entendia de sentimentos, como todo menino genuíno.

Um dia descobriu que responsabilidades podiam fazer dele um homem. E ele já era tão responsável. Inclusive, sentimentalmente. Suspirou fundo. Teve medo. Chorou. Uma amiga confirmou: “Você é um homem!”. Mesmo chorando? Pegou o livro da Clarice. As palavras, que não se alteraram, diziam outra coisa. Você cresceu! E, atônito, não sabia quando deixou de ser menino.

E, como menino, se dedicou à poesia.

Como menino, acredita na felicidade, embora tenham afirmado para o homem: “ela não existe!”. Enquanto homem, sente vontade de amar. E o menino alimenta, dizendo que as distâncias podem ser suprimidas.

O menino escreve, o homem lê. Ele assente com a cabeça, positivamente. Na prática, os olhos vão da esquerda para a direita.

O homem esqueceu a Geografia, o menino viaja. O menino ri ao sabor do vento, lembrando do sotaque, das vontades e dos lá lá lá lá. O homem, temendo ser flagrado por seus deletérios sentimentos, policia o riso.

Parque aquático, de diversões, brigadeiros, HQ’s. Do menino.

Jornais, teorias, feijoada, cerveja. Do homem.

O homem nem tem consciência de que, dentro dele, há um menino. O menino acalenta o homem que, muitas vezes insone, tenta lembrar das madrugadas em que era menino. O homem é paradoxo. O menino, sinestesia.

Um dos dois escreveu esse texto.

Os dois querem saber qual a cor do pecado.

Peterson Nogueira – 20MARÇO2009

3 comentários:

Espero ser como o Fênix disse...

Meninos não conhecem águas profundas, podem saber nadar, mas não podem se arriscar. Homens preferem o azul profundo visto na subida à superfície, penetram no desconhecido e desvendam os mistérios das fossas abissais. Marés bravios só podem ser desafiados por capitães e marinheiros, homens destemidos empenhados em aventurarem-se. Homens dão a vida, até mesmo por meninos. São bombeiros, homens protetores dos demais, que enfrentam labaredas e incêndios, por não se preocuparem apenas em se salvarem, querem salvar os dois, o homem e o menino.

Homens plantam sementes, por conhecerem os tempos e as estações, meninos são impacientes demais, não sabem esperar, perdem o melhor, comer o fruto.

Homens aprenderam que a voz que emana do órgão cárdio fala de força, vontade e fé. Meninos por quererem tudo, esquecem que tudo nada temos.

Meninos choram por não experimentarem. Homens sabem que maior dor não há que o anseio de atingir a sabedoria do espírito humano.

Algo que meninos anseiam é conhecer os caminhos do coração, mas temem os espinhos e as dores, preferem o sonho de ter alguém que os leve até os campos floridos. Homens não esperam, seguem em frente, adentram nos espinhos, sangram, mas vão até o fim, sabem que o coração é regido pelo esforço.

O homem sabe que o menino não morreu e nem morrerá. Eles caminham juntos, o menino nos ombros do homem, o caminhar quem traça é o homem, o menino segue sorrindo e sem perder seu brilho especial, porque sabe que está seguro. Quem disse isso foi o tempo. Aprender a ser, no tempo que dever ser, é uma grande virtude, impede o paradoxo homem-menino.

Alan Dantas disse...

Enquanto o menino provocou as palavras, o homem pôs o ponto final.

Alan Dantas disse...

E a cor o pecado talvez não seja mais a púrpura...

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